Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

segunda-feira, junho 26, 2006

Briga renhida

WLADMIR ÁLVARO PINHEIRO JARDIM
RIO DE JANEIRO


Não considero que a eleição presidencial deste ano já esteja definida em favor do vosso presidente-candidato Luiz Inácio da Silva (PT-SP). E dou razão ao candidato da Oposição, Geraldo Alckmin (PSDB-SP), que vê apenas como “um valor relativo” as pesquisas eleitorais até este mês de Junho. De fato somente a partir do mês que vêm, depois que todos os acordos políticos forem selados, e entrarem em funcionamento as diversas máquinas políticas, sejam religiosas, partidárias, sindicais, empresariais, dos movimentos sociais, é que teremos uma idéia mais clara do potencial de cada candidato. O que os estudos de eleição presidencial indicam é que há sobre o território diversas estruturas de poder, que estão em estado de inércia nesse momento.

Eu acho que os programas de propaganda eleitoral de Rádio e TV, a partir de 15 de Agosto, terão seu peso na eleição, mas antes mesmo de irem ao ar essas máquinas entrarão em ação mostrando a real força de cada contendor. Baseando-me nos cruzamentos de pesquisas e dados diversos, tenho a nítida impressão de que tudo depende desses arranjos.

Para se ter uma idéia, a vitória do ex-presidente da República Fernando Collor de Mello (1990-92) em 1989 precisa ser mais bem estudada como modelo de chegada ao poder. Collor foi inaugural na proposta de montar um esquema de campanha à base de instrumentos modernos de pesquisa, que depois foi copiado tanto pelo ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) quanto pelo presidente-candidato Luiz Inácio da Silva na eleição presidencial de 2002, ao mesmo tempo em que usava as diversas máquinas políticas.

Hoje os municípios com até 50 mil eleitores correspondem a cerca de 45% do eleitorado, e é bom lembrar que lá o que vale não é discurso nem marqueteiro, mas verbas federais. Essas verbas dependem dos arranjos eleitorais que são feitos e envolvem deputados estaduais e federais, que se articulam com os governos municipal, estadual e federal. Na região metropolitana pobre, o apoio depende de arranjos com políticos clientelistas e populistas, e igrejas evangélicas.

Só para a Opinião Pública dos grandes centros urbanos é que o candidato precisa de discurso competitivo. É aí, na busca do apoio dos formadores de opinião, da classe média urbana, que acontece a verdadeira competição eleitoral. Por isso mesmo, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP) fez questão que o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) se aliasse ao Partido da Frente Liberal (PFL) em 1994, pois naquela ocasião o PSDB não tinha máquina política no interior do País.

Fechou também acordo com as igrejas evangélicas, que não queriam saber do petismo encarnado em Luiz Inácio da Silva (PT-SP), apoiado pela Igreja Católica, que era a rival desses grupos evangélicos na periferia. O paradoxo é que hoje Luiz Inácio da Silva se aproxima dos evangélicos, chegando a fazer aliança política com o Partido Republicano do Brasil (PRB), fundado pelo empresário e bispo Edir Macedo da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), controladora de pequenos jornais e da Rede Record de Rádio & Televisão (além da Rede Mulher de TV); repetindo a dobradinha com vice-presidente da República José Alencar Gomes da Silva (PRB-MG) e se afasta da Igreja Católica.

Em 2002, Luiz Inácio da Silva atraiu o apoio dos caciques políticos nordestinos para ter os votos dos grotões. De 1998 para 2002, ele teve um aumento enorme de votação em Tocantins, por exemplo. O Estado do Tocantins não virou petista, simplesmente Luiz Inácio da Silva fez um acordo com os caciques de lá, os Siqueira Campos que dominam a política local, bem como fez com os oligarcas do naipe dos senadores da República Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), Renan Calheiros (PMDB-AL) e José Sarney (PMDB-AP).

Desde então, os discursos ficaram muito parecidos, porque todos os candidatos fazem pesquisas qualitativas e sabem, e falam, exatamente o que o eleitor quer ouvir. Em 2002, o ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho (PMDB-RJ) e, então, candidato presidencial pelo minúsculo Partido Socialista Brasileiro (PSB), tirou o voto evangélico que já fora de Collor e Fernando Henrique e iria para José Serra (PSDB-SP) naquele ano, e tentou tirar o voto ideológico de Luiz Inácio da Silva, a mesma estratégia que tentaria na eleição deste ano, caso o PMDB o lançasse à Presidência da República.

O discurso competitivo de Geraldo Alckmin não deveria ser o discurso da ética, porque a população está convencida de que chegando ao poder todos os partidos têm que conviver com a corrupção. No momento, a situação de Alckmin é mais difícil porque os discursos dos candidatos tendem a ser semelhantes, e o que vai definir a eleição serão os acordos políticos que estão sendo fechados neste momento, no período de convenções partidárias que termina na proxima Sexta-feira, 30.

Também, é importante ter em mente que não há mais amadores nas campanhas eleitorais. A única candidatura presidencial que terá discurso ideológico será a candidatura da senadora da República, Heloísa Helena (PSOL-AL). Os demais competidores que têm chance de vitória não o terão; um sintoma da “americanização da política”, e que os líderes do PSOL chamam de “americanalhização” da política.

Aproveitando o clima, faço aqui uma comparação da campanha eleitoral deste ano com a Copa do Mundo de futebol: todos os times vêem os jogos dos adversários, têm programas de computador para analisar as jogadas, ou seja, todo mundo olha o jogo do outro. O modelo de campanha que prevaleceu até 1989, onde todos os candidatos faziam discursos ideológicos e Collor se impôs com uma nova agenda e uma nova maneira de fazer campanha eleitoral, já não existe mais.

Fazendo aqui uma caricatura: em 1989 Luiz Inácio da Silva defendia o socialismo, o saudoso ex-governador do Estado do Rio de Janeiro Leonel de Moura Brizola (PDT-RJ) defendia o socialismo moreno, e o saudoso ex-governador do Estado de São Paulo Mario Covas (PSDB-SP) defendia o choque do capitalismo, e foram todos atropelados pelo ex-presidente Fernando Collor de Mello. Em 1994, Luiz Inácio da Silva insistiu no discurso ideológico enquanto o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso aprendeu com os erros de seu correligionário Mário Covas e deu um tom mais moderno à sua campanha presidencial.

Outro ponto é a nossa economia. A inflação no Brasil roda, hoje, na casa dos 4% ao ano, uma desaceleração notável em relação aos 12% verificados em 2003. Demonstra a eficácia do regime de metas de inflação praticado no País pelo governo Fernando Henrique Cardoso desde 1999 (ano inaugural do seu segundo mandato presidencial). Em termos simples, esse regime, desenvolvimento recente da teoria econômica, estabelece o seguinte: se a inflação está correndo abaixo da meta previamente fixada, o Banco Central do Brasil (BC) reduz a taxa básica de juros; se está acima, eleva os juros. O objetivo principal é estabilidade de longo prazo, aquela situação em que a economia avança em velocidade de cruzeiro, crescendo de acordo com seu potencial, com inflação baixa e juros neutros, isto é, que não estimulam excessivamente nem atrapalham investimentos e consumo.

É parte essencial desse modelo a independência (ou autonomia) do BC, para que possa tomar decisões técnicas e não políticas. Exemplo de decisão política: reduzir juros para atender a necessidades eleitorais do presidente da República. Países que adotaram o regime de metas de inflação colocaram tudo na lei, inclusive a independência ou a autonomia do BC.

Funciona assim: os diretores do BC são indicados pelo Executivo e aprovados pelo parlamento; assumem com mandato fixo (quatro anos, por exemplo); os períodos não coincidem, de modo que se troca um diretor por ano e nunca toda a diretoria de uma só vez; os mandatos também não coincidem com o do presidente da República, de tal modo que este vai sempre assumir o governo com um presidente do BC no cargo e nomear outro no meio de seu período. Antes do término de seu mandato, um diretor só pode ser afastado em caso de falta grave ou de fracassos flagrantes com as metas de inflação. De resto, a lei diz com todas as letras que o BC é autônomo para cumprir sua função.

No Brasil, o regime funciona na prática. A autonomia foi concedida pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso e mantida pelo vosso presidente Luiz Inácio da Silva. Mas aqui o presidente da República pode demitir todo mundo a qualquer momento e nomear diretores que coloquem os juros onde for politicamente necessário a seu bel prazer. Não faz isso por medo da reação dos mercados, que seria fatal: bolsa em queda, juros e dólar em alta, retirada de investimentos, venda de títulos do governo, tudo desequilibrando a economia.

Mas a ameaça de uma recaída populista enfraquece o regime de metas de inflação. Fica sempre aberta a possibilidade de uma intervenção política. Nessas circunstâncias, o BC precisa a todo momento demonstrar sua autonomia, o que o conduz a uma tendência mais conservadora. Ou seja, quando a autonomia está na lei, o BC pode firmar sua autoridade com juros mais baixos.

Por que não se aprova aqui essa legislação? Porque os políticos, e não apenas os seguidores do petismo, ainda não se convenceram disso. Por razões ideológicas ou fisiológicas, políticos de diversas linhas ainda alimentam a esperança de que, um dia, poderão controlar “aqueles tecnocratas do BC”. É bobagem. Não percebem que podem vir a controlar os tecnocratas, mas nunca os mercados, sobretudo nestes tempos de globalização. Repararam como, nestes dias de turbulência, os mercados reagem na mesma direção pelo mundo afora?

Com isso, no Brasil, ficamos na situação em que o BC tem “autonomia operacional”, mas não “legal”, porque isso seria “retirar o Banco Central do controle democrático da sociedade”, conforme disse o presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), deputado Ricardo Berzoini (PT-SP). E ainda: “O BC deve estar submetido ao crivo do Executivo”.

Há vários equívocos aí. “Controle democrático da sociedade” não é a mesma coisa que “submissão ao crivo do Executivo”. Aliás, é quase o contrário. O correto é que tanto o Executivo quanto o BC (parte daquele) estejam sob controle do Legislativo. É assim, por exemplo, nos Estados Unidos da América (EUA), onde o presidente do BC está a toda hora prestando depoimentos no Congresso Nacional norte-americano.

Além do mais, as metas a serem perseguidas pelo BC não são fixadas pelo próprio banco, mas pelo governo. No nosso caso, pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), integrado pelos ministros de Estado da Fazenda e do Planejamento Orçamento e Gestão, e pelo presidente do BC.

Assim, se as regras de funcionamento do BC estão fixadas em lei democraticamente votada pelo Legislativo e se as metas são dadas pelo governo eleito pelo povo, está evidente que o Banco Central do Brasil já está sob controle da sociedade brasileira, mesmo porque estreitamente vigiado pela Imprensa e, não esquecer, pelos mercados, que votam todo dia. A autonomia formal, na lei, apenas completa esse quadro positivo.

Mas não, o PT não quer. E Alckmin não tocou no assunto em seu discurso de lançamento à Presidência da República. O País se atrasa nisso também!

Em 2002, a “americanização” da política se generalizou. Agora estou convencido de que, ao contrário do que mostram as pesquisas hoje, a eleição presidencial será uma luta renhida, não será um passeio para ninguém. Embora eu não queira dizer com isso que não considero que o vosso presidente-candidato Luiz Inácio da Silva venha a ser reeleito este ano. Apenas acho que o ex-governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, não é “peru de Natal, que morre de véspera”.