Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sábado, abril 28, 2012

Saga brasileira, de Miriam Leitão

Crise de nervos também

RIO DE JANEIRO – UM típico comportamento de manada e a especulação desenfreada continuam dominando o cotidiano das bolsas de valores no meio da crise econômica internacional. Isso foi comprovado mais uma vez no começo desta semana, quando os mercados caíram num dia, como se a Europa estivesse derretendo, e subiram no dia seguinte, como se a salvação houvesse chegado durante a noite. Mas a crise europeia continua tão grave quanto antes e os sinais positivos surgidos nos últimos seis meses são ainda informações relevantes. Nenhuma novidade fundamental surgiu no horizonte. A recessão espanhola foi apenas confirmada pelos números divulgados oficialmente, mas ninguém ignorava a gravidade da situação. O impasse na Holanda em torno do orçamento era conhecido. A queda do governo foi apenas um desdobramento da queda de braço com a oposição. Quanto às dificuldades eleitorais do presidente francês, haviam sido apontadas por numerosas pesquisas e por muitas análises competentes. Na Terça-feira, 24, as bolsas de valores fecharam em alta, depois da divulgação dos ganhos dos bancos e da rolagem satisfatória de títulos da Espanha, da Itália e da Holanda. Se tudo ia tão mal na véspera, por que os compradores de papéis públicos se mostraram tão cooperativos e tão dispostos a refinanciar governos endividados?


ESTE tipo de comportamento tem sido normal, em todos os mercados financeiros mundo afora, e ninguém deveria tomar o sobe e desce das cotações como um indicador de melhora ou piora do quadro econômico. Para o senso comum, as condições de rolagem da dívida pública deveriam ser mais reveladoras, mas nem isso tem sido confirmado pelos fatos do dia a dia.


PORÉM, existe algo mais nos mercados que a tradicional combinação do jogo especulativo com o espírito de manada. Pode-se descrever de outra forma o sobe e desce das cotações e a rápida sucessão de momentos de entusiasmo e de medo. Há uma dose de esquizofrenia, como observou na semana passada o economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), Olivier Blanchard. Os mercados pressionam os governos por uma rápida consolidação fiscal, mas reagem de forma adversa quando a consolidação reduz o crescimento econômico. Isso complica tremendamente a execução do ajuste indispensável aos países mais afetados pela dívida pública. No caso da Europa, as decisões dos governos são especialmente difíceis, tanto pela pressão dos mercados quanto pela urgência de conciliar o ajuste com medidas para a retomada do crescimento. Até aqui, as políticas de austeridade permitiram reduzir os déficits orçamentários, embora nem sempre na proporção desejada. Para a média dos 27 países da União Europeia (UE), o déficit fiscal ficou em 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB), em 2011, com significativa redução desde 2009, quando o rombo chegou a 6,9%. Para os países da zona do euro, o corte foi de 6,4% em 2009 para 4,1% no ano passado. O endividamento cresceu, mas isso era previsível e a tendência só deverá mudar dentro de alguns anos.


EM 2011, os cinco países com maiores déficits foram a Irlanda (13,1%), a Grécia (9,15), a Espanha (8,5%), o Reino Unido da Grã-Bretanha (8,3%) e a Eslovênia (6,4%). O aperto funcionou, de modo geral, e alguns governos tentam aumentar o arrocho, às vezes com sérias dificuldades políticas. Na Holanda, o governo caiu, embora o desemprego, estimado em cerca de 5%, seja bem menor que o de vários outros países. Na Espanha, o último dado aponta 23,6% de desocupação. A média da UE é de 10,2%. A média da zona do euro, 10,8%.


O DESEMPREGO elevado, consequência da recessão, é também um obstáculo à estabilização fiscal, porque impõe gastos maiores aos governos e impede o aumento da arrecadação de impostos. Por isso, o ajuste fiscal avança lentamente e com um custo social muito alto. Uma solução possível, apontada pelo FMI e por analistas independentes, é atenuar o ajuste de curto prazo para mitigar o efeito recessivo da austeridade. Mas, para isso, é preciso vender politicamente um projeto confiável de ajuste de médio prazo e avançar com firmeza num caminho estreito e arriscado. A esquizofrenia dos mercados pode dificultar imensamente essa operação.