Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

terça-feira, julho 11, 2006

Contribuição preventiva


WLADMIR ÁLVARO PINHEIRO JARDIM
BELO HORIZONTE


Lendo e conferindo a quantidade de mensagens que recebi até hoje, quase todas de protesto contra minha última análise sobre o assunto, pude ter uma idéia de como é mesmo difícil reformar a Previdência e Seguridade Social neste País. Na raiz de tudo, uma confusão. O termo “contribuição”, a meu ver, não tem nada de dúbio: é algo que eu faço para que alguma coisa maior se realize ou se resolva. Diz-se, por exemplo, que um grande cronista “contribuiu” muito para o brilho da literatura brasileira. No Dicionário Aurélio Buarque de Holanda além deste, há significados muito precisos: “Parte pertencente a cada um nas despesas do Estado ou em uma despesa comum”. No entanto, quando se fala em aposentadoria, “contribuição” torna-se sinônimo de poupança. “Eu contribuí a vida toda, agora quero o que é meu!”, afirma a maioria na velhice.

Mas não é isso. Nosso sistema, como o de grande parte dos países, baseia-se na solidariedade entre os que estão trabalhando e os que já se aposentaram. O que eu pago hoje não fica depositado em meu nome, rendendo juros e correção monetária, para que, no futuro, eu desfrute do que poupei. Não, tudo o que recolho ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) se destina ao pagamento daqueles que já se aposentaram (ou daqueles que necessitam de ajuda temporária, como o auxílio-saúde, ou afastamento precoce do trabalhado por motivo de invalidez permanente). Quando chegar a minha vez, os que então estiverem na ativa, trabalhando, pagarão por mim. Zelar para que haja um equilíbrio nesse sistema, portanto, é interesse de todos.

Para que a discussão flua melhor, vou detalhar aqui o que houve com as aposentadorias e pensões do INSS. Em 1998, na reforma constitucional da Legislação da Previdência e Seguridade Social, o governo do ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) não conseguiu estabelecer uma idade mínima para o setor privado: então ministro do planejamento, o professor, economista e ex-deputado Antônio Kandir (PSDB-SP) voltou à Câmara dos Deputados apenas para aprovar a emenda e, na hora de votar, errou, e a idade mínima foi rejeitada por apenas um voto. A quem já tinha 30 anos de contribuição (homens) e 25 anos de contribuição (mulheres) foi resguardado o direito de requerer aposentadoria proporcional. Os que ainda não tinham alcançado essa condição mantiveram também o direito de se aposentar mais cedo, mas passaram a ter de trabalhar mais 40% sobre o tempo que, em Dezembro de 1998, ainda faltava para que pudessem requerer o benefício: se, em 1998, um cidadão tivesse 20 anos de contribuição, pelas regras antigas ele poderia requerer aposentadoria proporcional se contribuísse por mais dez anos, em 2008; depois da emenda constitucional, passou a ser obrigado a pagar um pedágio de 40%, só podendo agora se aposentar em 2012.

Pretendendo mitigar o problema da falta de idade mínima, em 1999, o governo do ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP) conseguiu aprovar o chamado fator previdenciário: quanto mais jovem for o beneficiário e maior a expectativa de vida do brasileiro, menor será o benefício. Mesmo assim, a idade média no momento da aposentadoria se mexeu pouco: em 1999, era de 54 anos, para homens, e 50 anos, para mulheres; agora, é de 57 anos e 52 anos, respectivamente.

A aposentadoria por idade é também algo de surreal. Qualquer um pode se aposentar nessa idade, desde que tenha contribuído por 12,5 anos (em 2011, o tempo mínimo será de 15 anos). Presume-se que alguém que, aos 65 anos, tenha contribuído por tão pouco tempo seja de baixa renda, tendo vivido na informalidade a maior parte da vida. Ocorre que a Lei Orgânica da Assistência Social (Loas) estabelece que todos aos 65 anos, com renda per capita inferior a um quarto de Salário Mínimo (Piso Nacional de Salários – PNS), têm direito a um benefício de um Salário Mínimo (e a quem não tem comprovante de renda, basta uma autodeclaração, segundo a lei 2.720). O resultado é que grande parte dos beneficiários tem renda muito superior à exigida. As duas leis acabam sendo incongruentes. Uma estimula o vínculo com o INSS, impondo um tempo mínimo de contribuição; a outra abre a porteira, sem controles. Quem é que vai querer contribuir por 15 anos para ter uma aposentadoria com valor próximo ao valor do mínimo, se sabe que aos 65 anos terá um benefício parecido mesmo sem contribuir?

E há ainda um enorme problema: a aposentadoria do trabalhador rural. Existem dois grupos: os trabalhadores rurais, com carteira assinada e os que trabalham a própria roça, não importando se são proprietários, posseiros, meeiros, arrendatários ou invasores. Segundo a última Pesquisa Nacional Por Amostragem de Domicílios (PNAD) realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem 3,5 milhões de trabalhadores rurais com carteira assinada, mas apenas 31% deles contribuem. Os trabalhadores com pequeno roçado devem contribuir com 2,1% do valor da produção negociada, mas a obrigação de recolher ao INSS é de quem compra, se o comprador for uma empresa. Um cálculo grosseiro estima que a sonegação no campo gira em torno de 50%.

Como na prática é impossível saber quem contribuiu ou não, trabalhadores rurais acabam se aposentando por idade, aos 60 anos (homens) e aos 55 anos (mulheres), desde que provem que viveram da terra por 12,5 anos (serão 15 anos a partir de 2011). Hoje, há 7,6 milhões de trabalhadores rurais na ativa e 7,15 milhões deles aposentados. Todas as contribuições recolhidas no campo são suficientes para fazer frente a apenas 13% das despesas com aposentadorias dos trabalhadores rurais.

Por tudo isso, o equilíbrio não existe. O déficit em caixa do INSS é de R$ 37,8 milhões.Todas as medidas adotadas se mostraram pouco eficazes: em 1999, dizia-se que o déficit do INSS, então em 1% do Produto Interno Bruto (PIB), ia se manter estável: hoje, já está em 2% e crescendo. As despesas com o INSS eram de 2,5% do PIB em 1988 e não pararam de crescer: hoje chegam a 7,4%. A rigor, hoje já faltaria dinheiro para pagar aos aposentados, mas isso não acontece, porque o governo absorve o déficit, tirando dinheiro de outros setores. Praticamente 60% de todas as despesas não financeiras do governo se destinam a fazer frente à Previdência e Seguridade Social. Sobram apenas 8% para investir em tudo o mais (Educação, Reforma Agrária, Segurança Pública, etc.) e 2,9% para Infra-estrutura, as obras sem as quais nosso crescimento econômico continuará pífio.
A eleição presidencial deste está logo ali e é o momento certo para se discutir a saída. Mas qual dos presidenciáveis tem coragem de abordar a questão?