Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

domingo, julho 02, 2006

Zidane tudo mais!

WLADMIR ÁLVARO PINHEIRO JARDIM
BELO HORIZONTE


O título lascado lá no alto desta página já diz tudo por si só. Iniciar a semana de ressaca porque abusou da bebida já é ruim. Imagine quando a ressaca é por causa da derrota humilhante do excrete canarinho? O dia seguinte é sem dúvida o pior. Para os boleiros e para o treinador nem tanto. Pior mesmo foi para os torcedores brasileiros, àqueles que estavam acreditando piamente na fantasia e que os tornaram neste Julho poderosos, invencíveis, onipresentes, os melhores do mundo! Verdadeiros macunaímas.

Eu me arrisco dizer que essa certeza da vitória começou logo depois da conquista do pentacampeonato em 2002. Nós aqui, da própria mídia (TV Globo à frente) nos encarregamos de incendiar a esperança da torcida tupiniquim. Durante quatro anos, vitórias individuais dos jogadores no exterior iam confirmando nosso favoritismo. Uma amiga brasileira que passava por Barcelona, pouco mais de um mês antes desta Copa do Mundo, ficou impressionada com o prestigio do boleiro Ronaldo Gaúcho. Sua foto estava em outdoors, em jornais e revistas e panfletos distribuídos pela rua. O Barcelona acabara de conquistar mais um título. De longe, a torcida conterrânea vibrava com o sucesso de seus ídolos. E por unanimidade o Brasil já era considerado hexacampeão, mesmo antes de entrar em campo. E como diria nosso saudoso Nelson Rodrigues: toda unanimidade é burra!

Depois da conquista da Copa das Confederações, há um ano, com uma vitória esmagadora sobre a Seleção da Argentina, com um placar campeão de 4 a 1, aumentou a sensação de que a nosso excrete era o melhor do planeta. Agora era só aguardar o momento supremo de ver a taça sendo levantada uma vez mais pelo capitão Cafu e mandar imprimir a sexta estrela nas camisetas verde-amarelas. O clima do ”já ganhou” tomou conta de tudo e de todos.

Os dias que antecederam o início desta Copa do Mundo foram uma festa só. A mídia especializada anunciava em todos os jornais e revistas que levaria para a Alemanha um exército de quase 900 profissionais entre produtores, técnicos e jornalistas, para proporcionar um espetáculo a altura do que ela chamava de “a maior Copa de todos os tempos”.

E todos os profissionais cumpriram à risca seus roteiros, inflando o ego dos jogadores em reportagens e entrevistas massificantes, numa total alegria e intimidade entre jornalistas e atletas. O sorriso congelado dos entrevistadores só mudou no dia da morte do humorista Bussunda. No dia seguinte, voltaram a euforia e o ufanismo exagerado. Para a TV GLOBO, a exclusividade da transmissão se transformou em uma faca de dois gumes, pois a emissora virou referência e acabaram sobrando para a principal emissora e produtora de TV deste País os respingos do fracasso.

A seleção foi mal no primeiro jogo contra a Croácia, sofreu para derrotar a Austrália e teve alguns lampejos contra o Japão. E finalmente a atuação medíocre contra Gana, apesar dos três a zero. Todo mundo estava pressentindo o desastre, até o rei Pelé, menos o débil-ufanista Galvão Bueno (TV GLOBO). No final de um desses jogos, a “Magda” dos microfones virou-se para a câmera e disse: “E então, gostou do jogo? No dia tal tem mais, aqui na telinha da Globo...prepare sua festa com seus amigos, sua família...”.

Deu no que deu! Para o brasileiro do lado de cá, o gosto amargo da derrota chegou ao entardecer de ontem, 01, vergonhoso para o futebol do Brasil que era cantado em verso e prosa como o melhor de todos os tempos. A genialidade do boleiro Ronaldinho, os gols do “Fofômeno”, a pedalada de Robinho, a patada atômica de Roberto Carlos não funcionaram. Um a zero foi pouco para o vexame dado por nossos boleiros. Acho que o elegante Zinedine Zidane (esse sim, um verdadeiro craque) que, aos 34 anos, à beira da aposentadoria, comandou o show dos franceses, ficou com pena da nossa desajeitada equipe. Grande Zidane, viva la France!

O sonho acabou. E acabou beeem tarde! De minha parte, comemorei, e muito, tomando Moet Chandon e comendo fondue tarde-noite de Sábado afora.Desde a Copa do Mundo de 1998 torço contra. Nada de implicância com o Futebol, continuo um enamorado do esporte bretão, orgulho de ser rubro-negro e alvinegro. Minha birra é com o ufanismo topeira, que torna cada brasileirinho arrogante, prepotente e soberbo. Enquanto a miséria, o atraso, a ignorância, a corrupção, a violência e a desesperança campeiam País afora.

E não tem essa de torcer pela seleção portuguesa do Felipão! Quero mais é que os boleiros portugueses se explodão nessa Copa! Vendo alguém dizendo que irá torcer pelo triunfo daquela turma de além mar me lembra aquela história do sujeito impotente que, como voyeur, goza com o falo do amigo. Toda vez que o amigo tem uma boa noite de alcova, ele diz parabéns, meu herói, eu também já fui bem nisso! Uma tragicomédia a brasileira.

O futebol se torna uma droga social, quando a maioria da população volta sua atenção no time (fantoche social) e esquecem dos problemas, os quais impedem o crescimento do País. Assim como no futebol, onde muitas vezes o poder econômico fala mais auto, essas pessoas são derrotadas pelo time da elite do País.

Lideranças políticas aproveitam dessa e de outras situações para se esconder. Mascarando assim, a falta de interesse e de competência dos mandatários em resolverem os graves problemas da sociedade.

O favoritismo do nosso milionário time de boleiros nessa Copa do Mundo levou o brasileiro ao ápice da euforia angustiada típica de uma nação insegura ou até maníaco-depressiva. Tal qual o vosso presidente-candidato Luiz Inácio da Silva (PT-SP), com sua vitória na eleição presidencial de 2002, afirmando que ele é própria encarnação do progresso e tudo que dá certo nesse grande e bobo pedaço ao sul do Equador.

A vitória causa a esse povo um breve momento de arrogância porque o nosso sentimento nacionalista é leve, superficial, mesclado de insegurança e condescendência amigável com os perdedores nos grandes estádios. Já a acachapante derrota para os elegantes, desenvolvidos, ricos e competentes franceses, mais uma vez tem efeitos mais intensos e duradouros, impregnando nessa já sofrida nação o famoso “complexo de vira-latas” como bem definiu o genial Nelson Rodrigues: a nossa percepção de incapacidade crônica em planejar e ser bem sucedido na vida.

Na vitória, afirma-se que o destino do nosso futebol é vencer todas sem tomar conhecimento dos nossos adversários. Quando perdemos, como no último Sábado, dedicamos esse dissabor ao bode expiatório de plantão: aquele zagueiro que falhou na marcação, ou o treinador que escalou mal o time. Afinal como se sabe neste País de derrotados existem mais de 170 milhões de treinadores; que na verdade não passam de meros palpiteiros.

Para o brasileiro é muito difícil admitir o triunfo do adversário como méritos exclusivamente do próprio. Sempre se tem de acusar alguém do nosso time de ter pisado na bola na hora da onça beber água. Nunca se admiti que o adversário foi melhor, dentro do espírito esportivo. A França venceu, porque jogou melhor, foi competente e ponto final!

Mas, apesar da insegurança, para o brasileiro nossos adversários não existem; e sempre somos derrotados por nós mesmos; não pesa sequer o fracasso de que o nosso maior artilheiro (de todos os tempos em Copas do Mundo) nos diversos clubes por onde passou desde 1997.

É tudo maravilhoso, quando nos poupa esforço, disciplina, aperfeiçoamento e estudo (como faz questão de afirmar o vosso presidente-candidato Luiz Inácio da Silva, em mais um de seus delírios e impropérios).

O triunfo é sempre profético. Aquele mitológico “nosso destino é vencer!”, bem como a nossa alegria, criatividade e “falta de preconceitos”; a nossa “riqueza natural”.

O progresso, segundo o esse mito, não temos devido à nossa herança maldita, às perdas internacionais, tradição escravocrata que herdamos de nossos companheiros lusitanos.
Da mesma forma que, algumas religiões são drogas sociais que dopam as pessoas distraindo-as para que essas não entendem ou esqueçam os problemas sociais. São as religiões utilizadas como fonte fácil para se obter renda. Elas exploram os problemas financeiros, sentimentais e as doenças. Usando assim, a igreja como comercio dessas desgraças humanas. Por que será que até hoje não se instituiu uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para investigar essas falsas religiões? ...

A mídia por sua vez, dá mais importância para os poderosos, para as religiões e mais ainda para o futebol. Ajudando assim, na formação da imagem do Brasil como o País do futebol, do Carnaval e da bagunça geral e organizada. O Brasil é um País de muitos, mas não de todos! Enquanto exclui os menos favorecidos, deixando-os à margem do seu desenvolvimento econômico, o País também vai sendo excluído do circulo das maiores potências econômicas.

Contudo, tal é a nossa alienação, aditivo natural do nosso ufanismo, que somos eternamente os melhores do mundo! O petróleo esguicha do nosso solo sem qualquer esforço tecnológico eficiente. E qualquer messias da política tupiniquim nos desobriga de trabalhar com afinco, estudar e eleger com consciência os nossos representantes em Brasília. Como bem gosta de dizer, o seu Luiz Inácio da Silva, somos todos predestinados!

Toda vez que vejo notícias sobre os diversos campeonatos de futebol, me chama a atenção não são as jogadas sensacionais dos craques, os belos gols ou, ainda, os erros de arbitragem, o que me chama realmente a atenção são as declarações de torcedores, antes e depois dos jogos, bem como as cenas de uma verdadeira guerra urbana, que presenciamos constantemente. Ainda me chama a atenção a torcida da equipe derrotada, pedindo brio aos seus “guerreiros” em campo, chegam ao cúmulo de pagarem ingressos e virarem as costas.

Não que estejam totalmente erradas, afinal de contas, para os padrões nacionais, os nossos boleiros em particular, formam uma elite detentora de salários razoavelmente bons (levando-se em conta que os astros milionários são pouquíssimos).

Então eis o paradoxo: os brasileiros dão muito mais valor, extrapolando seus sentimentos em relação ao time que representa as cores do País (seja no futebol, no automobilismo, no tênis, no basquete ou no voleibol), do que propriamente com o que deveriam dar: a situação política da Nação. Um tanto melhor para boa parte da camarilha que tomou os cofres públicos em Brasília (DF) de assalto, pois não terão que ver eleitores zangados, pedindo brio, pedindo hombridade, pedindo raça, pedindo dignidade, a exemplo do que fazem nos gramados Pátria afora. Já pensaram, se passássemos a tratar os políticos da mesma forma que tratamos os jogadores de futebol, aplaudindo quando os lances são ousados, quando os gols são belos. Que bom seria aplaudir aquele vereador, deputado estadual, deputado federal ou senador que imbuídos do sentimento de amor à Pátria e conseqüentemente ao povo, agisse como o seu grande tribuno, defendendo-o com projetos de relevância social e não pessoal (como as inúmeras sessões solenes onde poucos são agraciados e que muitas vezes nada fizeram, a não ser trazer votos, para determinado parlamentar).

Como seria bom também ver as galerias tomadas por gente (não as claques profissionais), que, da mesma forma que no futebol se mostrassem indignadas com a aprovação de projetos populistas e desprovidos de contrapartida social.

Nesse País de enormes paradoxos, esse talvez seja um dos maiores. Na primeira situação, o povo paga para assistir e quando necessário reclama ao extremo; na segunda situação, o povo, também paga, mas assiste impassível sem reclamar. Talvez por isso os times mudem tanto de craques, enquanto em Brasília a mudança é insignificante. Se a solução é essa, vamos eleger um conselho de notáveis jogadores, de diversas equipes, quem sabe a bola role mais em direção ao povo. É sempre hora de reclamar, principalmente quando a conta é salgada e somos todos nós quem a pagamos.