Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

domingo, junho 06, 2010

Sucessão de jogo sujo

RECIFE (PE) - A GUERRA por poder no comando da campanha eleitoral da pré-candidata governista Dilma Rousseff (PT-RS), a comprovada atração do Partido dos Trabalhadores (PT) pelo vale-tudo contra os adversários e uma declaração estabanada do pré-candidato oposicionista José Serra (PSDB-SP) acabam de produzir um escândalo político sem lastro. O seu único efeito previsível a esta altura será o de degradar o que tem sido uma contenda relativamente civilizada entre eles numa sucessão de baixezas. É tudo o que o eleitorado consciente não precisa para tomar uma decisão o quanto possível racional nas urnas de Outubro.

BASTA o reiterado intento do vosso presidente da República, Luiz Inácio da Silva (PT-SP), de transformar a disputa num falso plebiscito entre a sua administração (2003-10) e a administração do seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso (1995-2002); o uso dos recursos de poder do Executivo em favor da apadrinhada do seu titular; e o confinamento da campanha à simplória antinomia entre a "continuidade" e o "fazer mais", prometidos por dois presidenciáveis que, por enquanto, vêm se destacando pela falta de carisma - matéria-prima da liderança política nas democracias de massa -, e a mesma propensão para tropeços de forma e conteúdo nas suas falas à Imprensa.

E O ESCÂNDALO inaugural da temporada (não fossem escandalosas as recorrentes transgressões da legislação eleitoral da dupla criador & criatura (do lullismo) começou com uma reportagem publicada pela Revista Veja em sua edição do último dia 02, sobre a alegada tentativa de uma das alas rivais envolvidas com a campanha de dona Rousseff de montar um "grupo de inteligência". Os arapongas do petismo, além de bisbilhotar o outro lado de dentro do bunker dilmista situado na QI (quadra interna) 5, em Brasília (DF), teriam preparado, ou iriam preparar um dossiê contra o pré-candidato oposicionista, Zé Serra, com referências a atividades de sua filha Verônica Serra.

ENTÃO, o chamado pivô da história seria o jornalista Luiz Lanzetta que fora contratado pela direção da campanha governista para fornecer mão de obra na área de Comunicação Social. Lanzetta é amigo de longa data do ex-prefeito municipal de Belo Horizonte (MG), Fernando Damata Pimentel (PT-MG) que no momento é pré-candidato à governador do Estado de Minas Gerais, e por sua vez, também, amigo de longa data de dona Rousseff. Pimentel disputa espaço na coordenação da campanha com dois pesos pesados, o presidente do PT, José Eduardo Dutra (PT-SP) e o deputado federal e ex-ministro de Estado da Fazenda, Antonio Palocci Filho (PT-SP) este, uma espécie de delegado residente de Luiz Inácio da Silva. Atribui-se a essa facção a iniciativa de expor o esquema, para abortá-lo.

DE FATO se o tal dossiê chegou a ser montado, não apareceu, salvo citações na web, sem comprovação de autenticidade, como chega a ser rotina na blogosfera do petismo. Ainda assim, Zé Serra se permitiu dizer que "a principal responsabilidade por esse novo dossiê é da candidata Dilma Rousseff. Disso eu não tenho dúvida". Inicialmente, quando abordado sobre o assunto numa visita à Associação Comercial de São Paulo (ACSP), na última Quarta-feira, 02, Serra teve a sensata reação de dar tempo ao tempo: disse que preferia se manifestar no dia seguinte, à espera de uma manifestação da liderança do PT.

NO ENTANTO, instado mais uma vez, disparou a acusação, dando a deixa para que peessedebistas e democratas investissem contra a pré-candidata governista e a seu entourage. "Vamos para a briga", prometeu o senador Sérgio Guerra (PSDB-PE), presidente do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), coordenador da campanha de Zé Serra a Presidência da República. Dona Roussef retrucou que se tratava de uma "falsidade" e que não iria "bater boca sobre isso". O fato é que o passado condena o PT e seus seguidores, e é razoável, portanto, supor que petistas desse ou daquele escalão e seus companheiros de viagem tenham querido partir para o jogo sujo.

TAL AMEAÇA pode ter ficado na intenção, pode ter se concretizado à revelia de dona Dilma Rousseff, pode ter sido repudiada por companheiros escaldados. Mas, à parte a imputação de José Serra à pré-candidata, sem provas, a sua percepção de que houve uma ameaça tem fundamento. Em 2006, no grotesco episódio dos aloprados, Hamilton Lacerda (PT-SP), um assessor direto do então candidato petista ao governo do Estado de São Paulo, o senador da República Aloizio Mercadante (PT-SP), participou da frustrada compra de um apócrifo dossiê contra lideranças do PSDB. Na campanha presidencial de 2002, o ex-presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (PT-SP), se interessou por um dossiê apócrifo sobre finanças da candidatura José Serra. "O PT tem uma longa tradição nessa matéria", lembrou Serra. Mas vem de longe a prática de confeccionar e vender prontuários políticos, em que fatos, versões, insinuações e mentiras formam um mingau repulsivo. Está mais do que na hora de a palavra dossiê, ora para intimidar, ora para acusar, deixar de poluir as campanhas eleitorais brasileiras.