Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

terça-feira, abril 04, 2006

Atmosfera depressiva

WLADMIR ÁLVARO PINHEIRO JARDIM
BELO HORIZONTE


A demissão de Antonio Palocci Filho (PT-SP) do Ministério da Fazenda foi a penúltima gentileza que recebeu do governo Luiz Inácio da Silva. A sua participação na conspiração foi carregada de deslavado abuso de poder e para desmoralizar o caseiro Francenildo exigiria, em senso estrito, que partisse formalmente do vosso presidente da República a decisão de afastá-lo.

Seria a maneira legítima, pelo menos do ponto de vista formal, de o governo se dissociar de uma conspiração vergonhosa (que só avançou porque a Imprensa brasileira ainda tem muito a aprender sobre o tratamento correto de denúncias de paternidade oculta que lhe caem no colo) contra uma testemunha tão humilde quanto corajosa.

Em parte, entende-se. O governo do petismo tem uma dívida com Palocci, tão óbvia que não é preciso gastar salivas para detalhá-la. Quase ninguém que leva este País a sério discorda da necessidade de que o novo ministro de Estado da Fazenda Guido Mantega (PT-SP) pise nas pegadas do antecessor nas linhas principais de sua gestão.

Mesmo assim, a posse do novo ministro foi estranho espetáculo. Lembrou como eram antigamente os casamentos de noivas grávidas: ninguém tirava os olhos do buquê, às vezes imenso, que mal e mal escondia o tamanho da barriga da mulher, mas qualquer sussurro a respeito era grave falta de educação.

O discurso do presidente-candidato da República Luiz Inácio da Silva - a última gentileza ! - foi um buquê de rosas e tanto. Sua única referência à causa da demissão foi breve menção, quando disse que “a vida do homem público é marcada às vezes por leviandades, às vezes (por) acusações que temos que humildemente provar que não são verdadeiras”.

Vosso presidente da República, como é sabido, improvisa mal. Diz o senso comum que acusações não verdadeiras pedem resposta enérgica, não humildade. Também não se entende a singela referência a leviandades. A conspirata contra o caseiro não pode ser assim definida, nem mesmo indiretamente: foi uma deslavada invasão da privacidade de um cidadão. Tentou-se desmoralizá-lo com uma explícita tentativa de convencer a Opinião Pública de que teria sido subornado.

De tão indireta, era até dispensável essa solitária menção ao motivo da queda. E não é possível confrontar a atuação no Ministério da Fazenda com o comportamento no caso do caseiro e decidir que há saldo ou déficit na conta do ex-ministro. Seria o mesmo que perdoar alguém que deu um chute numa velhinha porque antes ajudara um bando de outras velhinhas a atravessar a rua.

Enfim, a demissão de Palocci parece ter sido rápida o suficiente para não prejudicar a política econômica, limitando a repercussão externa e interna. Pelo que Palocci fez pelo pela economia do País nestes três anos e três meses poucos discordarão de que merecia enterro de primeira classe. Teve-o, na medida do possível. O resto é com a polícia.

Quanto ao presidente-candidato, ao fim de uma das piores semanas de seu mandato, à primeira vista, Luiz Inácio da Silva pareceu deprimido esta semana. Afora o baque da saída de Palocci, perdera oito ministros. O fogo adversário segue alto e apontado para ele. Ontem, insinuou que pode não concorrer à reeleição. Balela! Fala-se em pesquisa ruim para ele a caminho, mas se olhou o mapa, viu que enquanto trocava ministros o adversário avançou e levou a melhor no jogo das alianças.

A semana iniciou-se gorda para a Oposição em várias frentes, embora o ex-governador do Estado de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB-SP) tenha enfrentado assuntos incômodos, como as denuncias de suspeitas sobre a origem do guarda-roupa de sua consorte Lú Alckmin e o uso dirigido de verbas publicitárias do banco estatal paulista Nossa Caixa. Já o relatório da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investiga irregularidades nos contratos de serviços da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) foi uma bordoada no Partido dos Trabalhadores (PT) e no governo Luiz Inácio da Silva (2003-6), mesmo poupando a pessoa do presidente-candidato.

Foi nos estados que a coligação PSDB-PFL ganhou terreno, atraindo para alianças a maioria das secções do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Pegando pelos governadores, é o caso de Joaquim Roriz (PMDB-DF) em Brasília (DF), de Luiz Henrique (PMDB-SC) em Santa Catarina, de Germano Rigotto (PMDB-RS) no Rio Grande do Sul e talvez o de Roberto Requião (PMDB-PR) no Paraná. Aqui em Minas Gerais, o PMDB já se entregou ao governador Aécio Neves da Cunha (PSDB-MG). No Rio de Janeiro, o senador e candidato ao governo do estado, Sergio Cabral Filho (PMDB-RJ) apoiará Alckmin. A governadora do Rio de Janeiro Rosinha Matheus (PMDB-RJ), que não concorrerá à reeleição, e seu consorte Anthony Garotinho (PMDB-RJ) farão o mesmo se e quando a candidatura presidencial de Garotinho for descartada. O presidente do Senado Federal Renan Calheiros (PMDB-AL), embora contado como governista, será aliado de Teotônio Vilela Filho (PSDB-AL) em Alagoas. Em São Paulo, o ex-governador Orestes Quércia já está em marcha batida para se juntar ao PSDB, nascido para renegá-lo. Ali, no centro da batalha eleitoral, os peessedebistas reforçaram a cavalaria com a pré-candidatura de José Serra ao governo paulista, confirmada como previsto na última Sexta-feira, 31.

No Rio Grande do Norte, a mesma coisa: PFL, PSDB e PMDB juntos, assim como em Pernambuco. Está sobrando pouco PMDB para Luiz Inácio da Silva e o PT. Terá o apoio de José Sarney (PMDB-AP) no Maranhão e no Amapá, de Eduardo Braga (PMDB-AM), no Amazonas, de José Maranhão (PMDB-PB) na Paraíba e alguma coisa mais.

Até mesmo o ex-ministro de Estado do Desenvolvimento e Integração Nacional Ciro Gomes (PSB-CE), que foi cotado até para ser vice na chapa do presidente-candidato, pode se juntar ao amigo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) e ao governador Lúcio Alcântara (PSDB-CE) no Ceará, em apoio a seu irmão Cid Gomes (PSB-CE).

O Partido Socialista Brasileiro (PSB) já escapuliu. Além de se juntar ao PSDB no Ceará, lançará a candidatura de Eduardo Campos, ex-ministro de Estado da Ciência e Tecnologia neste governo, contra o ex-ministro de Estado da Saúde Humberto Costa (PT-PE) em Pernambuco. Até o Partido Comunista do Brasil (PcdoB) aliado histórico do PT desde 1989 pode ficar só no apoio informal a Luiz Inácio da Silva. Pode não se coligar para lançar candidatos a governador, como o ex-ministro de Estado dos Esportes e do Desporto Agnelo Queiroz (PcdoB-DF) em Brasília (DF) onde o PT quer ter o seu candidato próprio.

O ex-comissário e deputado cassado Zé Dirceu (PT-SP) está mesmo fazendo muita falta ao presidente-candidato. Foi ele quem montou as alianças em 2002. Sem se anunciar candidato, e deixando o assunto a cargo do ex-ministro de Estado da Previdência e Seguridade Social e hoje presidente do partido, deputado Ricardo Berzoini (PT-SP), Luiz Inácio da Silva parece ter perdido o primeiro round.

A propósito, na guerra do relatório da CPMI dos Correios que deverá ser votado nos próximos dias, a Oposição quer incluir acusações ao presidente-candidato e seu filho Fábio Luiz; e os petistas reescrever o caso Eduardo Azeredo-Marcos Valério de 1998; e, além de descaracterizar o já provado mensalão, o indiciamento do ex-comissário Zé Dirceu e o Subsecretário de Comunicação Institucional da Presidência da República Luiz Gushiken (PT-SP) por corrupção ativa.

O relator da CPMI dos Correios, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR) chegou a usar tintas bem mais carregadas para descrever o caso Azeredo-Valério. Mas na versão final, tudo ficou mais suave e Azeredo indiciado apenas por crime eleitoral já prescrito. Na versão anterior, sua campanha de 1998 foi apontada como mãe do valerioduto. Os empréstimos para ele tomados pelo lobista Marcos Valério de Souza junto ao Banco Rural são tidos como fraudes, assim como os feitos mais tarde para o PT em conluio com o ex-tesoureiro petista Delúbio Soares e que originaram o delubiovalerioduto.
Na versão final apresentada semana passada os empréstimos a Azeredo são tratados como empréstimos de verdade. Não aparece no texto final a referência ao uso dos contratos publicitários com o governo mineiro como garantia, tática que Valério e Delúbio usariam mais tarde, ao montar o delubiovalerioduto que irrigou o mensalão empreendido pelo petismo neste governo Luiz Inácio da Silva.

Se o PT quer reescrever esta parte, a ameaça da Oposição é bem maior. Mas como nenhum dos lados pode ter 16 votos para aprovar o relatório, ficaria o buraco negro. Relatório nenhum. Ruim para todos mas pior para o PT e o governo do vosso presidente Luiz Inácio da Silva, que será acusado de melar as conclusões da CPMI.

A crise é ética, dizem todos. Mas será ela apenas dos políticos, ou de alguns partidos, ou haverá uma complacência moral na própria sociedade? Tema para os sábios mas o Ibope buscou respostas dos próprios cidadãos. Uma pesquisa feita em Janeiro, divulgada na semana passada, ouvindo mais de duas mil pessoas, colheu respostas desconcertantes. Levariam o professor Roberto Da Mata (USP) a falar em ética da casa e ética da rua. Alguns exemplos: 75% admitem que cometeriam pelo menos um dos 13 atos ilícitos apontados na cartela; 69% confessaram já ter cometido alguma transgressão contratual para levar vantagem; 55% compram, sempre ou eventualmente, produtos piratas; 57% nomeariam um parente para cargo de confiança. Para 64% dos entrevistados o povo é honesto; para 82%, os políticos são corruptos. Mas como o exemplo não tem que vir de baixo, muito pelo contrário, estes dados não servem de atenuantes para os crimes dos políticos. Mas servem, como pretendia o Ibope, ao debate sobre as raízes do mal.