Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quarta-feira, outubro 26, 2005

Som para o espirito

WLADMIR ÁLVARO PINHEIRO JARDIM

Os jazzófilos tiveram que ouvir samba, frevo e conga; os fãs de música eletrônica foram obrigados a esperar até alta madrugada para ferver, em um espaço grande demais para suas almôndegas; M.I.A., afinal, não tem todo esse borogodó funkeiro... mas, no fim das contas, as queixas da terceira edição do TIM Festival — a segunda no Rio de Janeiro — são poucas e localizadas: de maneira geral, as cerca de 30 mil pessoas que foram ao Museu de Arte Moderna (MAM) entre a Sexta-feira, 21, e o Domingo, 23, viram bons shows e participaram de um evento organizado e bem produzido. O TIM despediu-se do Rio de Janeiro ao som das batidas aceleradas do DJ Frankie Knuckles, já na manhã da Segunda-feira, 24, no esvaziado Motomix — o tal espaço equivocado da música eletrônica.


Noite de domingo, shows de roqueiros cinqüentões para uma comportada platéia, sentada disciplinadamente em mesas organizadas de maneira impecável. Para o bem do rock’n’roll, o encerramento do Festival em seu palco principal foi exatamente o contrário disso: os veteranos Television e Elvis Costello fizeram o público ignorar a infeliz decisão da produção de coalhar o espaço de mesas numeradas e sacudir diversas partes do corpo ao som das guitarras.


O Television começou sua apresentação com um ligeiro atraso, o que significa que as pessoas que já tinham entrado no TIM Stage (talvez metade das cerca de duas mil que compraram ingressos) ainda estavam procurando seus lugares nas mesas quando, discretamente, Tom Verlaine e Richard Lloyd começaram a trocar frases de guitarra, baixinhas, até receberem a base de Fred Smith (baixo) e Billy Ficca (bateria). O diálogo entre as guitarras é a base do som do Television, que mostrou arranjos ricos e criativos sem jamais cair no exibicionismo. A virtude está exatamente no comedimento com que os quatro tratam seus instrumentos. O quarteto tocou canções como “Call Mr. Lee”, o clássico “Marquee moon”, repleto de improvisações, e uma versão boa, mas desnecessária, para “Knockin’ on heaven’s door”, de Bob Dylan, dedicada a “Sofia, uma amiga de São Paulo”.


De terno escuro e camisa laranja, Costello mostrou ao que veio nos primeiros segundos de sua improvisação, tirando um acorde pesadão de sua guitarra e chamando o público — que, alertado por um aviso-bronca, havia voltado às mesas — para a beira do palco: ele não tocaria música country nem mostraria suas influências do jazz e da ópera.


O público, agradecido, pulou e urrou por duas horas ao som de Costello e sua afiada banda The Imposters em “Bedlam”, “Peace, love and understanding”, “Either side of the same town”, “Oliver’s army” e outros clássicos. Alguns puristas reclamaram quando ele deixou brevemente o rock para cantar a balada “She”, versão para o sucesso de Charles Aznavour, em homenagem aos casais e às fãs de comédias românticas (a música está na trilha sonora do filme “Um lugar chamado Notting Hill”). Mas nem eles saíram do MAM achando que tinham visto algo menos do que um show histórico. No palco Club, Dona Ivone Lara foi a mais aplaudida, apesar de ter sido obrigada a carregar um piano — do excelente Leandro Braga — que não enriquece seu samba.

Os cubanos Conga Kings também ganharam aplausos, especialmente quando convidaram Leny Andrade para o clássico “Night in Tunisia”, e Dr. John mostrou os ingredientes que formam Nova Orleans. No Lab, os “fofos” noruegueses Kings of Convenience comoveram seus fãs e entediaram os do Morcheeba (que, por sua vez, não ajudou muito a espantar a chatice). A redenção veio no Motomix, que teve sua melhor noite ao valorizar uma atmosfera de pista, com luzes baixas e projeções sobre o público. Ajudaram também o som de Frankie Knuckles, sublime, e os DJs da festa Body & Soul, que fizeram o público dançar até as 6h da Segunda-feira. Agora é rezar para que voltem os tempos de Free Jazz e que o TIM 2006 seja realizado simultaneamente em São Paulo e no Rio de Janeiro.