Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

domingo, julho 26, 2009

Píncaros de canastrões

CAMPOS DO JORDÃO (SP) - UMA IMAGEM que ganhou a primeira página dos jornais dias atrás, e que mostrou o vosso presidente da República, Luiz Inácio da Silva (PT-SP), confraternizando com seu ex-rival, o hoje senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL), me fez relembrar algumas “gentilezas” trocadas entre ambos, às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais, em 17 de Dezembro de 1989.

PRESSENTINDO a derrota no pleito daquele ano, o então candidato Luiz Inácio da Silva acusou Fernando Collor de Mello de ter sido vendido pela mídia de campanha eleitoral como sabonete, no que foi agraciado pelo adversário com o título que sugere conluio com a bandidagem. Recorde-se que, atualmente senador pelo Estado de Alagoas, Fernando Collor de Mello venceu aquele pleito depois de exibir em sua campanha eleitoral, no Rádio e na TV, o depoimento de Miriam Cordeiro, ex-namorada de Luiz Inácio da Silva, acusando-o de tê-la pressionado a abortar a filha, Luriam. Mais que perdão, o gesto afetuoso entre os presidentes da República de hoje e de outrora denota a adoção do preceito do cardeal Mazarino, sucessor de Richelieu na corte francesa, especialista em malandragem: "Não faças nada que traia tua cólera. Não procures te vingar, finge não te teres ressentido, e espera tua hora."

NUM palanque em Maceió (AL), tal cenário, onde estavam também, naquela Quarta-feira (15/07/2009), a ministra-chefe do Gabinete Civil da Presidência da República, Dilma Rousseff (PT-RS) e o governador do Estado de Alagoas, Teotônio Vilela Filho (PSDB-SP), ilustra, de modo irretocável, a brejeira política brasileira. Retrata, à perfeição, a liturgia de simulação e dissimulação. A crítica à política de compadrio praticada por governos anteriores, feita pelo vosso presidente da República, Luiz Inácio da Silva (2003-10), teve a intenção de preservar, ect caterva, Fernando Collor de Mello (1990-92), a seu lado, o qual deve ter-se sentido o mais justo dos governantes. Guerreiro dos tempos em que se fez caçador brandindo a espada contra os marajás, o ex-presidente cassado foi comparado a Juscelino Kubitschek de Oliveira (1955-60), eis que, segundo “O-CARA”, ambos se mostraram sensíveis aos dramas do povo. Quanta demagogia! Em circunstâncias ordinárias, certos gestos seriam sórdidos, mas podem-se tornar poéticos e até épicos. O vosso presidente da República produziu, na terra dos marechais e do finado Paulo César Farias (o PC Farias), o mais épico de seus gestos recentes. A cena encantaria o próprio Diderot, o chefe dos enciclopedistas franceses, famoso pela lição sobre a arte de ludibriar: os comediantes, dizia ele, "impressionam o público não quando estão furiosos, e sim quando representam bem o furor". O mesmo se pode dizer dos atores políticos. Eles são melhores não quando se inflamam, mas quando fingem grandes emoções. E ascendem aos píncaros da glória se nascem em terras brasileiras.

A COMÉDIA em Alagoas teve mais de um ato. “O-CARA”, como sempre, cumpriu "à risca" o comportamento do comandante supremo da Nação ao lembrar que, na proximidade do ano eleitoral, não podia falar de eleição. Balela. A promessa, na presença da ministra Roussef, não durou um átimo de segundo, pois a seguir arrematou: "Só vou dizer uma coisa para vocês. Podem escrever. Eu vou fazer, eu vou ajudar a eleger a minha sucessora neste País". Será que os juízes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estavam com os ouvidos atentos? E se estivessem, de que adiantaria? A Alta Corte só age quando acionada. A propósito, já há duas representações contra o Partido dos Trabalhadores (PT), Luiz Inácio da Silva e Dilma Rousseff por antecipação de campanha eleitoral. Pode ser, porém, que a promessa de eleger a sucessora seja entendida como a idéia de se refugiar em seu sítio Fubangos, em São Bernardo do Campo, onde deverá dedicar-se à pesca e ao preparo do tão anunciado coelhinho assado na panela.

DE FATO, a política brasileira tem um corpo separado dos membros. A situação explica, por exemplo, a distância entre as decisões das cúpulas partidárias e as ações das bases. Nos Estados, as alianças partidárias para 2010 serão desenhadas pela regra frankensteiniana. A amizade literalmente collorida entre “O-CARA” e Fernando Collor de Mello é apenas um aperitivo do que virá pela frente. Além da expressão aguda de Arthur Virgílio (PSDB-AM), líder do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), qual é a outra voz tonitruante contra o lulismo no Senado Federal? É a do senador cearense Tasso Jereissati (PSDB-CE). Pois não é que esse receberá o apoio petista, por meio do comando do governador do Estado do Ceará, Cid Gomes (PSB-CE)?

MAS como a opinião pública reage diante de situações tão canhestras, como a situação de inimigos figadais que após duros embates se transformam em amigos cordiais? O substantivo que pode resumir o estado de espírito de muitos cidadãos é asco. E como a maioria política reage diante do asco? O verbo já foi declinado pelo deputado Sérgio Moraes (PTB-RS), ao dizer que "se lixava" para a opinião pública. Continua a ironizar a decisão do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados no episódio do deputado Edmar Moreira (MG)- aquele do horrendo castelo: "A polêmica me deu muitos pontos, nunca recebi tantos convites na vida, ganhei espaço”.

AQUI nos resta apenas pinçar a névoa do tempo para acompanhar Confúcio em visita à sagrada montanha chinesa de Taishan. Lá encontrou uma mulher cujos parentes haviam sido mortos por tigres. O sábio perguntou: "Por que não se muda daqui?" Veio o lamento: "Porque os políticos são mais ferozes que os tigres”.