Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quinta-feira, fevereiro 24, 2011

Pra criar uma confraria de “Tiriricas”

ENTÃO, se for para adotar o "sistema eleitoral Tiririca", é melhor deixar tudo como está. Espécie de “menina dos olhos” dos caciques e oligarcas do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), a pretendida modalidade leva o nome do palhaço que se elegeu deputado federal por São Paulo com 1,3 milhão de votos, em 2010, porque evitaria que pencas de outros candidatos da mesma legenda ou coligação se elegessem com as sobras dos sufrágios recebidos pelos companheiros puxadores de votos, como o campeoníssimo Tiririca, deixando de fora políticos mais bem votados de outros partidos. É assim que funciona o sistema proporcional de lista aberta, em vigor no Brasil desde 1945 e uma raridade no mundo das democracias.

O QUE o vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB-SP), o presidente do Senado Federal, José Sarney (PMDB-AP), e outros sobas peemedebistas oferecem no lugar dessa regra - no âmbito da reforma política que começa a ser discutida hoje no Congresso Nacional - é a que promoveria a eleição dos candidatos a deputado mais votados em seus Estados, sejam quais forem as siglas pelas quais concorreram. Os 70 parlamentares que representam o Estado de São Paulo na Câmara dos Deputados, por exemplo, seriam os que lideraram as preferências do eleitorado paulista. No já apelidado "distritão", portanto, os deputados federais passariam a ser eleitos como os senadores da República, pelo sistema majoritário.

A IDÉIA corrobora o velho ditado que diz que todo grande problema tem uma solução simples, clara - e errada. Esta é pior do que errada: a sua eventual adoção levará ao retrocesso um sistema já crivado de vícios que distorce a manifestação política da população a que deveria servir. A Câmara dos Deputados que daí resultar será uma confraria de Tiriricas - não necessariamente iletrados, mas figuras salientes da indústria de entretenimento, com credenciais políticas inversamente proporcionais à sua popularidade nos auditórios e estádios.

NAS sociedades de massa, os nomes mais conhecidos e admirados pelas multidões são os ídolos em torno dos quais se organiza o seu lazer. Mas, ainda que fossem eles luminares da alta cultura ou ativistas das causas mais caras a uma coletividade, e por isso tivessem mais chances de se eleger que os políticos convencionais, o sistema não se tornaria menos personalista, ficando os partidos relegados à penumbra. Ora, por maior que seja o sentimento de desdém que possam provocar na opinião pública, são insubstituíveis como pilar da efetiva ordem política democrática.

MODELOS eleitorais que favorecem o prevalecimento das personalidades sobre os partidos não só não asseguram necessariamente que as Câmaras legislativas venham a ser a tradução fiel da vontade da maioria expressa periodicamente nas urnas, como tornam o sistema de partidos refém dos presumíveis campeões do voto na composição de suas chapas. A discussão decerto não é abstrata. O PMDB deu de patrocinar o "distritão" por prever que a mudança lhe será vantajosa. O cálculo é que o tipo de candidato que o novo sistema tenderá a favorecer se abrigará preferencialmente nessa que é a agremiação mais enraizada no País, onde sempre cabe mais um, sobretudo quando se é alguém aos olhos da multidão.

O DEPARTAMENTO Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), recentemente, recalculou como ficaria a Câmara dos Deputados se o pleito de 2010 para todos os cargos já tivesse transcorrido sob o sistema majoritário. Nessa hipótese, o PMDB, conquistando 88 cadeiras em vez das atuais 78, seria o principal partido naquela Casa do Poder Legislativo do Brasil. O Partido dos Trabalhadores (PT), embora agregasse 3 cadeiras às suas atuais 88, seria desalojado do pódio. Outros partidos beneficiados seriam o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), com 12 vagas a mais, e o Democratas (DEM), com 7. Não foi à toa que Sarney escolheu o compadre e um velho adepto do “distritão”, o senador Francisco Dornelles (PP-RJ), para ocupar a presidência da comissão especial de reforma política do Senado Federal.

AGORA, dê no que dê a reforma da legislação eleitoral brasileira - por ora um balaio de disparatadas sugestões, muitas das quais não deveriam frequentar conversas de gente séria -, parece provável que ela acabará com as coligações para as eleições proporcionais. Se fosse para mudar uma única peça do processo eleitoral brasileiro, teria de ser esta, porque nenhuma outra rivaliza com ela em matéria de deformação da representatividade do voto e de cambalachos entre os partidos políticos de ocasião.