Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quinta-feira, maio 19, 2011

Histórico manchado

O ECONOMISTA e cientista político Francês, Dominique Strauss-Kahn, entrou para a história do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da economia globalizada pela quebra de dois recordes. Nenhum de seus antecessores se envolveu num escândalo tão espetaculoso quanto o caso criminal iniciado no último Sábado, 14, quando foi preso sob acusação de abuso sexual. E nenhum teve um papel tão importante quanto o dele no enfrentamento de uma grande crise econômica centrada no mundo rico - de fato, a crise mais ampla e mais grave desde a depressão dos anos 1930. Ex-deputado Federal, ex-ministro da Economia da França e por enquanto diretor-gerente do FMI, ele passará os próximos dias, talvez meses, tentando evitar uma pesada condenação por um tribunal norte-americano. Não fosse o escândalo sexual, estaria ajudando a Europa a vencer o desafio das dívidas soberanas e discutindo um novo financiamento para evitar um calote grego.

SEJA lá qual for a verdadeira história do incidente com a camareira de um luxuoso hotel, em Nova York (EUA), já está feito um enorme estrago - e não só na carreira de Strauss-Kahn. Inocentado, ele dificilmente retornará à disputa pela presidência da República da França, exceto se emergir como vítima de um complô. Mesmo nesse caso, haverá perguntas sobre como se deixou envolver na armadilha. O escândalo altera o quadro da sucessão na França, tornando mais cômoda a posição do presidente da República e candidato a reeleição, Nicolas Sarkozy. Mas a política francesa, neste momento, é apenas um detalhe de um quadro muito mais complexo e preocupante.

O FMI fez muito mais pela Europa sob a liderança de Strauss-Kahn, nesta crise econômica internacional, do que participar do socorro às economias da Grécia, da Irlanda e de Portugal. Em 2008, quando o estouro da bolha financeira norte-americana jogou o mundo na recessão, o FMI socorreu a economia da Islândia e logo em seguida a Polônia, beneficiada com um crédito preventivo de US$ 20 bilhões. Na zona do euro os maiores desafios surgiriam mais tarde, na passagem de 2009 para 2010, quando se verificou a gravidade da situação fiscal da Grécia e de outros países da chamada periferia.

OS GOVERNOS mais poderosos da união monetária tentaram, inicialmente, evitar o recurso ao FMI. Mas, quando mudaram de ideia, o FMI assumiu um papel muito mais importante que o de mero contribuinte para um programa de ajuda.

STRAUSS-KAHN tornou-se uma figura-chave das negociações em cada operação de socorro. Em alguns momentos, sua participação foi essencial para a articulação dos programas de ajuda. Na semana passada ele estava empenhado em montar um novo pacote de ajuda à economia da Grécia, novamente em dificuldades. Nesta semana, ele deveria ter-se encontrado com a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, participando de reuniões para discussão desse e de outros problemas graves.

O EX-DIRETOR-GERENTE do FMI foi também uma figura central nas discussões do Grupo dos 20 Países mais Industrializados do Mundo (G-20), atuando tanto nos encontros ministeriais quanto nas conferências de cúpula, realizadas com regularidade a partir do final de 2008. Assumiu oficialmente o papel de cumpridor da agenda do G-20, mas desempenhou de fato uma função muito mais importante, como líder de uma instituição geradora de estudos, de informações e de propostas tecnicamente elaboradas.

ELE preparava-se para deixar em breve a direção do FMI para concorrer à presidência da República da França. O escândalo precipitou o problema da sucessão no FMI. A substituição será especialmente complicada. Strauss-Kahn conduziu aquela instituição com eficiência numa crise mundial de gravidade incomum. Ao mesmo tempo, administrou uma redistribuição de cotas e votos cobrada com insistência pelos governos dos países emergentes. Além disso, iniciou a reforma administrativa daquela Instituição. Crescem, agora, as pressões pela mudança do critério tradicional - um norte-americano para o Banco Mundial (BIRD) e um europeu para o FMI. Emergentes pretendem entrar no jogo, mas europeus tentam adiar a inovação. A crise na Europa, alegam, torna a mudança inoportuna. É um argumento discutível. Incontestável é a dificuldade para encontrar alguém com a competência técnica e a liderança de Strauss-Kahn. E, de preferência, sem as suas fraquezas mais notórias.