Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quarta-feira, outubro 20, 2010

O desespero, a esperança e a redenção na operação Fênix

DIANTE de um grande espetáculo multimídia de competência tecnológica, foram salvos os 33 mineiros que passaram 70 dias soterrados na Mina San José, no deserto chileno de Atacama. A solidariedade mobilizou recursos humanos e materiais, além da atenção de centenas de milhões de pessoas de todo o mundo que acompanharam pela TV a cobertura ao vivo da operação de resgate. A tecnologia, com um grau de sofisticação inédito em eventos dessa natureza, ofereceu as ferramentas necessárias ao completo êxito de um bem planejado empreendimento.


A ODISSÉIA dramática dos 33 mineiros chilenos, que prendeu a atenção universal por seu pungente roteiro de desespero, esperança e redenção, deixa muitas lições que, é de esperar, hão de ser aprendidas. Talvez a mais importante: a vida, valor supremo, exige que não se poupem esforços para sua preservação. Parece óbvio, mas exatamente por isso, especialmente no momento em que se comemora com justificável euforia o êxito do resgate, é importante lembrar que os mineiros passaram mais de duas semanas soterrados sem contato algum com o mundo exterior, alimentando-se com frugais duas colheres de atum e meio copo de leite em pó diários, numa situação desesperadora diante da qual o governo chileno já ensaiava entregar os pontos. Não é difícil imaginar o estado de ânimo desses 33 homens que durante 17 dias não tiveram nenhuma razão objetiva para acreditar que sobreviveriam ao desastre, restando-lhes nada mais do que fé e esperança. E o mesmo se pode dizer dos pais, mães, esposas, filhos, amigos que, impotentes, viveram por tantos e intermináveis dias a terrível angústia da espera.


PORÉM, a fase do desespero foi finalmente substituída pela da esperança quando uma das muitas sondas que tentavam contato com o refúgio onde os trabalhadores se encontravam, a uma profundidade de quase 700 metros, recolheu de volta a mensagem manuscrita com tinta vermelha: "Estamos bien en el refugio los 33". Era Domingo, 22 de Agosto último, e o próprio presidente da República do Chile, recentemente empossado, Sebastián Piñera, aliviado, transmitiu ao mundo a alvissareira notícia.


DE ACORDO com a opinião unânime de especialistas, a operação de resgate resultou num grande sucesso, principalmente, por seu cuidadoso planejamento. Ao governo chileno coube a exibição de um show de impecável competência. Desde o início, resistindo à compreensível pressão vinda de todos os lados para definir um prazo tão curto quanto possível para o salvamento dos mineiros, as autoridades chilenas, sob o comando do ministro da Mineração, Laurence Golborne, tiveram a cautela de não criar falsas expectativas. Chegaram a anunciar que o resgate só poderia ser feito depois de quatro meses, por volta do próximo Natal. Isso explica a agradável surpresa que significou a consumação do salvamento dos 33 "apenas" 70 dias depois do acidente. Além disso, não se pouparam recursos materiais e financeiros para que os mineiros fossem cercados de todos os cuidados médicos e psicológicos - um especialista em confinamento da Agencia Aeroespacial Norte-Americana (Nasa) participou da ação. E foram recrutados os melhores técnicos e as melhores tecnologias disponíveis no mundo para operações do gênero, a começar pelo projeto e construção da cápsula usada para o transporte dos mineiros até o ar livre, apropriadamente batizada de Fênix.


AGORA, vivenciando a fase da redenção, os 33 heróis do Atacama contemplam a perspectiva de um futuro tranquilo, do ponto de vista material. Depois que mais de mil jornalistas do mundo inteiro acorreram à Mina San José para acompanhar a operação de resgate exibida ao vivo para dezenas de países e estimado quase 1 bilhão de telespectadores, os mineiros organizam-se agora para enfrentar o enorme assédio de veículos de comunicação e editores ansiosos por exclusividade em entrevistas e livros. Faz parte do espetáculo. Por sua vez, o presidente Piñera, cuja popularidade andava em baixa, comemora uma substancial melhora dos índices de aprovação de seu governo. Fez por merecer, ao acompanhar pessoalmente toda a operação de resgate e recepcionar cada um dos novos heróis com calor humano e manifestações de júbilo perfeitamente compatíveis com o comportamento que sua investidura como presidente da República recomenda. Um belo exemplo.