Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

segunda-feira, novembro 15, 2010

Legislação para coibir o abandono afetivo

SÃO PAULO (SP) - APROVADA pelo Congresso Nacional após quatro anos de tramitação e sancionada no final de Agosto último pelo vosso presidente da República, Luiz Inácio da Silva (PT-SP), a Lei de Alienação Parental é mais uma inovação importante no direito de família. Editada sob a forma de emenda ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a lei trata de um tema complexo que começou a ser discutido na década de 1980 pelo médico Richard Gardner, especialista em psiquiatria infantil da Universidade de Colúmbia e autor de 40 livros sobre o que chama de Síndrome da Alienação Parental.

O OBJETIVO da Lei da Alienação Parental é coibir o chamado "abandono afetivo" e evitar as sequelas que podem afetar psicologicamente os filhos de pais que se separaram em crises marcadas por agressões recíprocas, mesmo que o divórcio não tenha sido litigioso, do ponto de vista formal.

EMBORA não existam estatísticas confiáveis, a estimativa é de que 80% dos filhos de casamentos desfeitos acabem sendo objeto dos esforços de um dos cônjuges para desqualificar, desacreditar e desmoralizar o antigo cônjuge, por ciúme, inveja ou vingança.

NO Brasil, a guarda das crianças e dos adolescentes fica com a mãe em cerca de 90% dos divórcios. Durante o encontro com os filhos aos Sábados e Domingos, com base no chamado "direito de visitação", muitas vezes o pai faz duras críticas ao comportamento da mãe. E, no meio da semana, esta é que promove uma cruzada difamatória contra o pai, maculando sua imagem pessoal e moral perante os filhos. À medida que as desavenças aumentam, as críticas vão subindo de tom e muitos pais e mães passam a fazer chantagem emocional e até a inventar estórias que denigrem a imagem do ex-companheiro.

SUBMETIDOS a "campanhas difamatórias" e incapazes de distinguir o que é fato do que é invenção ou difamação, os filhos perdem as referências e vão se tornando inseguros. Com a passagem do tempo, eles tendem a se tornar desconfiados e a ter problemas de relacionamento social e de aproveitamento escolar. É isso que a psiquiatria infantil chama de Síndrome da Alienação Parental. "Os pais muitas vezes não se apercebem de que suas emoções e reações podem alterar a estrutura psicológica do filho que, em última análise, é o mais prejudicado nesta conturbada relação", diz Genival Veloso de França, da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

CLASSIFICANDO como "genitor ou genitora alienante" quem tenta dificultar o relacionamento dos filhos com o outro genitor ou genitora, omitindo informações escolares e médicas, contando inverdades ou criando empecilhos para a convivência familiar, a lei prevê punições que vão de simples advertência e aumento do período de convivência familiar em favor do "genitor alienado" a pagamento de multa, inversão da guarda compartilhada e suspensão da chamada "autoridade parental". Além dos pais, a lei pune quem tiver a criança ou adolescente sob sua vigilância, como avós, tutores e até babás.

EMBORA a aprovação da Lei de Alienação Parental tenha contado com o apoio de juízes das Varas de Família e Organizações Não-Governamentais (ONGs) que defendem os direitos da infância e adolescência, nem todos os especialistas a aplaudiram. Entre os psicólogos, há quem considere a Síndrome da Alienação Parental um termo vago e baseado em teorias de escasso valor científico. "Ao tentar punir o alienador, tirando-lhe a guarda do filho, a lei afeta também a criança, que, de repente, se vê afastada do genitor com o qual desenvolveu uma aliança", diz Analicia de Souza, mestre em psicologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Os defensores da lei enfatizam seu caráter pedagógico. "Muitos dos que praticam a alienação parental não têm noção de que estão fazendo mal aos filhos", diz Rodrigo Cunha, do Instituto Brasileiro de Direito da Família (IBDF).

INDEPENDENTEMENTE de quem tenha razão nessa polêmica, o fato é que a Lei da Alienação Parental reflete as transformações pelas quais a família brasileira vem passando desde o ingresso da mulher no mercado de trabalho, com a industrialização do País, e o advento da Lei do Divórcio, na década de 1970.