Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

segunda-feira, janeiro 31, 2011

O pragmatismo russo

PARIS - O PRESIDENTE da República da Rússia, Dmitry Medvedev, anunciou um ambicioso plano de modernização econômica, associado à promessa de aperfeiçoamento das instituições e das práticas democráticas inauguradas em seu país há apenas duas décadas. O cenário de seu pronunciamento foi a sessão oficial de abertura do Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suiça na última semana. O evento seria importante em qualquer circunstância, mas teve um significado especial depois do ataque terrorista ao principal aeroporto de Moscou. Ao manter sua participação na cerimônia, disse Medvedev, o governo russo mostrou a disposição de não se curvar ao terrorismo. Há dez anos, em Doha, o lançamento da rodada global de negociações comerciais também foi apresentado como resposta aos ataques terroristas aos Estados Unidos da América em 11 de Setembro de 2001: o mundo continuava funcionando e buscando a inovação.

AQUELAS negociações de Doha foram paralisadas por divergências comerciais e ainda não foram concluídas, mas o terrorismo não impediu os esforços diplomáticos nem o longo período de prosperidade mundial interrompido em 2008 pela crise financeira internacional. Provavelmente também não deterá o governo russo. A execução do plano apresentado em Davos poderá ser dificultada por obstáculos políticos de outra natureza.

MEDVEDV reconheceu em seu discurso as imperfeições do regime russo - como as deficiências do sistema judiciário - e a persistência da corrupção. Foi um reconhecimento espontâneo e, ao mesmo tempo, estratégico. A participação do capital estrangeiro será essencial para a execução do novo plano de desenvolvimento econômico. Regras instáveis, insegurança jurídica e corrupção administrativa podem travar as decisões de investimento. Além disso, o novo plano é também o roteiro de uma nova forma de inserção internacional da Rússia. O presidente Medvedev mencionou nada menos que a intenção de um acordo de associação com a União Europeia (UE), para a constituição de um espaço econômico unificado entre o Atlântico e o Pacífico.

O PLANO pode ser extremamente ambicioso e de execução muito difícil, mas revela uma concepção clara e pragmática dos interesses nacionais. O presidente Medvedev fez o elogio do Grupo dos 20 mais industrializados do mundo (G-20), embora cobrando maior determinação no cumprimento das decisões coletivas. Propôs a conversão do bloco emergente Bric (formado por Brasil, Rússia, Índia e China) - numa entidade operativa, isto é, com capacidade de ação política. O governo brasileiro manifestou a mesma pretensão há mais tempo. Mas há uma evidente diferença.

ESSA estratégia internacional do governo russo, assim como a do chinês, é baseada numa concepção dos interesses e das possibilidades nacionais. Alianças têm uma função instrumental. No Brasil, bem ao contrário, o governo do ex-presidente da República, Luiz Inácio da Silva (2003-10), subordinou a ação internacional, nos últimos oito anos, a uma concepção particular - e até pitoresca - da diplomacia como extensão da luta de classes ou da ação sindical.

A PRIORIDADE à chamada diplomacia Sul-Sul resultou da ilusória noção de uma identidade de interesses e de propósitos entre países em desenvolvimento. Um dos formuladores dessa política chegou a definir a Rússia como um país "geograficamente do Norte e geopoliticamente do Sul" - ideia que nenhum político russo levou a sério. Essa observação vale também para os chineses, empenhados em consolidar sua condição de potência de primeiro time e não em participar de anacrônicas disputas ideológicas.

O PRAGMATISNMO do plano russo está expresso, também, nos propósitos de facilitar o ingresso de capitais, de criar parcerias com o investidor estrangeiro e de atrair especialistas formados nas universidades de maior prestígio, facilitando o reconhecimento de diplomas - nada parecido, neste caso, com a concessão de privilégios baseados em critérios ideológicos de "parcerias estratégicas".

O PLANO russo inclui também a adesão à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), formada por países desenvolvidos e por alguns emergentes de boa reputação internacional. O Brasil foi convidado há anos para apresentar sua candidatura, mas o governo esnobou a oferta, alegando que o Brasil não entraria num clube de elite sem seus "parceiros estratégicos".