Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sábado, dezembro 17, 2005

Outra da Casa da Mãe Joana

WLADMIR ÁLVARO PINHEIRO JARDIM
BELO HORIZONTE


Nem o espírito natalino deve esfriar a ira da Opinião Pública com o pacote de fim de ano dos congressistas nacionais: a Câmara dos Deputados absolveu na noite da última Quarta-feira, 14, o primeiro beneficiário do delubiovalerioduto que foi julgado em plenário, Romeu Queiroz (PTB-MG), e o Congresso Nacional se autoconvocou para trabalhar no recesso ao custo de R$ 100 milhões. Depois saíram todos em recesso natalino, sem aprovar o Orçamento Geral da União (OGU) e nem mesmo os créditos suplementares que fazem falta não exatamente ao governo mas aos projetos que precisam do dinheiro previsto.

Bastou o resultado da absolvição de Queiroz ser divulgado para que passassem a circular pela Internet diversos protestos e a campanha pelo voto nulo voltasse com toda a força. A absolvição de Queiroz veio no mesmo dia em que o Congresso Nacional havia anunciado a convocação extraordinária ao custo de R$ 100 milhões aos cofres públicos, devido ao pagamento em dobro do salário quando os parlamentares trabalham durante a autoconvocação. O que também provocou reações da Opinião Pública nacional.

Este tosco pacote natalino sem dúvida aumentará a desilusão política e a descrença na representação popular produzidas pelo escândalo do mensalão e a crise política. No caso da autoconvocação extraordinária, o único louvor fica para o presidente da Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo (PcdoB-SP), que não apenas tentou evitar esta autoconvocação desnecessária e de resultados pífios e previsíveis. Vencido pela pressão dos líderes partidários e das Comissões Parlamentares de Inquéritos (CPIs), Rebelo fez incluir na pauta extraordinária o projeto do deputado Raul Jungmann (PPS-PE) — que acaba com o pagamento adicional em casos de convocação — e também a emenda que reduz a duração do recesso parlamentar pela metade, de 90 para 45 dias anuais.

São medidas saneadoras que podem ajudar a melhorar a imagem do Congresso. Mas se a sensação de impunidade e corporativismo for confirmada por novas absolvições de deputados envolvidos no mensalão, provavelmente a taxa de renovação do Congresso Nacional em 2006 será altíssima.

Rebelo criará uma comissão especial para apreciar as duas matérias mas elas enfrentam uma pedreira de resistências, sobretudo no baixo clero parlamentar. Somente serão aprovadas se a tal voz rouca das ruas, que andou clamando pela cassação dos envolvidos com o delubiovalerioduto e com o mensalão, bater-se também pelo fim do jabaculê das convocações extraordinárias e pelo encurtamento do recesso parlamentar. Havia alguns dias Rebelo previu que, pior do que a interrupção dos trabalhos, inclusive das CPIs (que poderiam trabalhar internamente, avançando no exame dos dados disponíveis), seria uma convocação extraordinária que nada produzisse para justificar a queima de tanto dinheiro: nem cassações, nem avanço nas investigações nem aprovação de matérias de real interesse público.

Ao engolir a autoconvocação Rebelo ameaçou com a perda de mandato os que faltarem a mais de um terço das sessões como manda o Regimento da Casa. “Rebelo está certo, isto está previsto no Regimento interno. Já houve no passado a cassação de dois deputados gazeteiros”, recorda o líder do Partido da Frente Liberal (PFL) deputado Rodrigo Maia (PFL-RJ). Refere-se a Felipe Cheidde e Mario Bouchardet, os primeiros cassados após a redemocratização do País, por faltarem ao trabalho durante quase todo o ano.

Muitos têm criticado o projeto de Jungmann dizendo que trabalhador também ganha em dobro quando faz hora extra durante o descanso remunerado. É de rir. Deputado e senador da República não são trabalhadores. Fizeram uma opção. Têm um contrato de representação com a sociedade. Têm o povo como patrão. O salário nominal não é realmente alto no Brasil, poderia até ser aumentando, mas de forma transparente. Mas houve uma opção pelos anabolizantes, como aquelas verbas de gabinete, de representação e pagamentos absurdos como estes extras.

Quanto à absolvição do deputado Romeu Queiroz, é cedo para se afirmar categoricamente tratar-se mesmo de uma tendência do plenário da Casa, que pela primeira vez peitou o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados. Mas a prevalecer o argumento de Queiroz, de que não embolsou o dinheiro sacado do delubiovalerioduto, repassando-o ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e a candidatos, a porteira pode mesmo ser aberta. Fala-se num acordo de absolvições recíprocas entre o Partido dos Trabalhadores (PT), PTB e o Partido Progressista (PP). “A cegueira e a surdez corporativa estão impedindo a maioria da Casa de captar o sentimento antipolítica que está no ar. As bengaladas cívicas virão, na eleição de 2006”, diz Jungmann.

Este ano parlamentar de 2005 que começou com a eleição de Severino terminou assim, oficialmente na última Quarta-feira, em outra noite de inconsciência política coletiva.

Está claro que a absolvição de Queiroz é uma senha para que outros deputados envolvidos no mensalão também o sejam, uma atitude corporativista para proteger os acusados e os muitos outros que, embora não apanhados com a boca na botija, se utilizaram do mensalão ou do caixa dois patrocinado pelo delubiovalerioduto, tanto faz.

Mas a reação da Opinião Pública está sendo tão devastadora que possivelmente o próximo da lista a ir ao plenário, mesmo que seja o ex-presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha (PT-SP), será cassado para aplacar a ira popular. A luta agora vai ser para saber quem será o primeiro da lista durante a convocação extraordinária (até 14 de Fevereiro de 2006) a enfrentar o julgamento de seus pares depois da vergonhosa absolvição da noite da última Quarta-feira.

Sabe-se que muitos, mais do que os 13 deputados indiciados no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados estão envolvidos nesse esquema de corrupção, apenas foram mais espertos que seus pares e não deixaram pistas. Queiroz, que recebeu R$ 350 mil alegadamente para financiar campanhas petebistas e teve até um dinheiro depositado “equivocadamente” em sua conta, tinha todas as condições de ser cassado, e, no entanto, safou-se devido ao bom trânsito que tem dentro daquela Casa do Poder Legislativo.

Beneficiou-se, também, do momento em que seu nome foi a plenário, a última sessão do ano, às vésperas do recesso do Natal e do Ano Novo, quando os espíritos estão desarmados e, principalmente, desprevenidos. Os parlamentares parecem gostar de testar até onde vai a pressão da Opinião Pública, para ver qual o campo de ação de que podem desfrutar sem cair na desgraça dos eleitores.

Não lhes basta pertencerem à classe que têm a avaliação mais negativa entre todas as instituições públicas do País, não lhes assusta a possibilidade de uma reação tão vigorosa que erradique do meio político todos os envolvidos nas falcatruas que foram desvendadas publicamente nos últimos seis meses no seio do governo do vosso presidente da República, diante de uma Opinião Pública escandalizada e impotente.

A conta desse festival de impunidade vai também para Luiz Inácio da Silva (PT-SP) , que teve grande responsabilidade na instalação do clima de que “nada foi provado até agora pelas CPIs”. Ao repetir essa cantilena de que o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) teve o mandato cassado porque não conseguiu provar a existência do mensalão — o que não é verdade — e garantir repetidas vezes que “nada ficara provado além do caixa dois habitual”, o vosso presidente da República Luiz Inácio da Silva (2003-6) incentivou os políticos de sua base aliada a absolverem os corruptos beneficiados pelo mensalão, que não existe para o mais importante mandatário da República.

Nada mais sintomático do que a conta do próprio Queiroz, que se jactou de ter recebido pelo menos 50 votos de petistas no julgamento que o absolveu. O fato é que existe naquela Casa do Legislativo um grande acordo para livrar, se não todos, pelo menos a grande maioria, da cassação de mandato, o que configura uma acintosa confrontação com a Opinião Pública nacional, além de denotar uma falta de critério perigosa para a tenra democracia brasileira.

Até a absolvição de Queiroz, havia uma certa lógica no comportamento do plenário da Câmara dos Deputados: os deputados que a Comissão de Ética condenasse, eram condenados por seus pares. O deputado Sandro Mabel (PL), o primeiro a ser absolvido pelo plenário, o fora também na Comissão de Ética da Casa, por falta de provas que o ligassem ao mensalão. Essa lógica foi quebrada, e agora não há mais parâmetros para as votações seguintes.

Se for verdade que cada julgamento depende da provas, mas também da pessoa envolvida, configura-se um critério corporativo inaceitável em decisões desse tipo. Uma decisão política pressupõe a análise da atuação política de cada deputado envolvido, não pela simpatia que granjeia entre seus pares, mas pelos fatos que indiquem ser ele potencialmente capaz, ou não, de cometer os atos que lhe são imputados, mesmo sem provas.

No caso de Queiroz, até mesmo prova havia, pois parte do dinheiro sacado no Banco Rural foi parar na sua conta bancária pessoal, o que torna caricato e ridículo a desculpa de que houve um “engano” no depósito. Se o ex-deputado e ex-ministro José Dirceu (PT-SP) teve o mandato cassado pela convicção da maioria da Câmara dos Deputados de que fora o chefe do esquema do mensalão implantado naquela Casa, então todos os que receberam o dinheiro, fosse a que título fosse, deveriam ser punidos com a perda de mandato. Se receber dinheiro ilegal, mesmo que seja “apenas” de caixa dois, não representa crime eleitoral passível de punição com a cassação, então o chefe do esquema que distribuiu o dinheiro também não deveria ter sido cassado.