Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

terça-feira, dezembro 28, 2010

Despropósito econômico

JÁ SE tornaram costumeiras - entre a eleição e a posse de um novo presidente da República - as pressões dos governadores estaduais eleitos para que a futura administração federal aceite rever a negociação das dívidas de seus Estados com a União Federal pelo prazo de 30 anos, de acordo com contratos assinados em 1997. Alegam os políticos que os Estados desembolsarão R$ 34 bilhões para pagar correção e juros da dívida este ano e que, mesmo assim, o seu estoque aumentará em R$ 22 bilhões. A culpa seria do indexador - o Índice Geral de Preços-Disponibilidade Interna (IGP-DI), calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) - que, de acordo com o que está sendo proposto, seria trocado pela Taxa Selic, hoje em 10,75% ao ano.

NA verdade trata-se de casuísmo para atropelar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), deixando os Tesouros dos Estados de assumir qualquer compromisso com a redução do déficit do setor público consolidado. Em primeiro lugar, a Taxa Selic não é um indexador, mas a taxa básica de juros. De fato, a negociação da dívida dos Estados embutiu um subsídio, pois a taxa de juros foi fixada em 6% ao ano, bem abaixo da Taxa Selic praticada ao longo de mais de 13 anos. Se, por hipótese, a Taxa Selic funcionasse como indexador, do final de 1996 a Junho de 2010, o custo da dívida teria se elevado 939,9%, enquanto a variação acumulada do IGP-DI, incorporando a taxa de juros de 6%, foi de 700,12% no mesmo período.

O AUMENTO do IGP-DI em 2010 foi excepcional em razão do aumento das commodities no mercado internacional, que tanto influi sobre o Índice de Preços por Atacado (IPA), que tem peso 6 no Índice Geral. A tendência em longo prazo é que o IGP-DI e o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) - a medida oficial da inflação - convirjam. De fato, segundo as últimas projeções do boletim de mercado Focus, o IGP-DI em 2011 deve ficar em 5,31%, muito próximo da variação prevista para o IPCA (5,20%).

SE O governo federal ceder às pressões principalmente dos governadores eleitos dos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, outras unidades federativas, que vêm cumprindo suas obrigações com o Tesouro Nacional (TN), encontrando outras fórmulas para atenuar o ônus em seus orçamentos, poderão pleitear benefícios compensatórios, como assinalou o economista Amir Khair consultado pela nossa reportagem.

ISSO comprometeria o objetivo declarado da próxima administração federal - já muito difícil de cumprir - de zerar o déficit nominal das contas públicas ao fim de 2014. Os Estados em maiores dificuldades são justamente aqueles que se limitaram a pagar a parcela mínima da dívida negociada, que é de 13% de suas receitas correntes líquidas, deixando o saldo devedor acumular. Não houve preocupação por parte desses Estados em amortizar a dívida com o TN, fazendo duros cortes de gastos.

SE FOSSE o caso de estabelecer paralelo com a vida cotidiana dos cidadãos, a comparação mais adequada não seria com as vicissitudes daqueles que adquiriram imóveis mediante condições de financiamentos que foram sendo alteradas em um período de hiperinflação, deixando, ao final, resíduos a pagar. Seria mais correto dizer que aquelas unidades federativas se encontram na situação de pessoas que contraíram dívidas em seus cartões de crédito e se limitaram a fazer o pagamento mínimo mensal, deixando o saldo devedor aumentar. Acrescente-se que, no caso das dívidas dos Estados, as regras se mantiveram desde 1997 e a inflação regrediu sensivelmente de lá para cá.

PARA aqueles Estados que não atingiram seu limite de endividamento há uma saída para reduzir o custo da dívida com a União Federal, que é tomar empréstimos no exterior, a juros baixos, e usá-los para amortizar ou quitar os compromissos internos. A governadora (2006-10) do Estado Rio Grande do Sul, Yeda Crusius (PSDB-RS), por exemplo, recorreu a essa alternativa.

E QUANTO à ideia de os governos dos Estados utilizarem para investimentos os recursos que deveriam ser destinados ao serviço da dívida com o TN, trata-se de um despropósito. O País necessita de mais investimentos públicos em vários setores, mas esses devem resultar do corte de gastos correntes, jamais do não cumprimento de obrigações assumidas.