Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sábado, junho 19, 2010

Altruísmo eleitoreiro

A DECISÃO de Luiz Inácio da Silva (PT-SP) de não vetar o reajuste, aprovado pelo Congresso Nacional, de 7,72% dos benefícios aos aposentados que recebem mais de um salário mínimo foi um ato de irrepreensível coerência, uma vez que lá atrás, “O-Cara!”, já dissera que eleger dona Dilma Rousseff (PT-RS) é "a coisa mais importante" do seu governo e a "coisa prioritária" da vida do vosso presidente da República este ano.

A LIÇÃO ainda serviu para todos quantos analistas que acreditaram na sua promessa de que não se deixaria seduzir "por qualquer extravagância que alguém queira fazer por conta do processo eleitoral", como disse na última Segunda-feira, 14, véspera do fim do prazo para a sanção ou veto do aumento, reiterando garantias anteriores na mesma linha.

“O-CARA!” fala pelos cotovelos. Por isso, ou as suas palavras mais recentes fazem esquecer as mais antigas, com as quais não raro se chocam, ou fazem perder de vista quais delas foram proferidas para valer, impedindo que sejam levadas às últimas consequências lógicas, e práticas.

DECERTO Luiz Inácio da Silva ficou agastado com a demagógica operação, efetuada a quatro mãos pelo grosso da base parlamentar governista e as bancadas oposicionistas, que acrescentou 1,5 ponto porcentual à proposta do Poder Executivo de elevar em 6,14% os benefícios de 8,4 milhões de aposentados e pensionistas do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). E não há por que supor que fosse jogo de cena a sua iniciativa de buscar um meio-termo: nem o valor original nem o valor dos parlamentares, porém 7%.

A OPOSIÇÃO, que se imagina esperta, ajudou o Poder Legislativo a dar as costas a um acordo que, já de si, oneraria os cofres públicos em mais R$ 1,1 bilhão. (Agora será R$ 1,6 bi.) A bisonha jogada consistia em fazer bonito perante os jubilados e coagir o vosso presidente da República a vetar a lambança, assumindo o papel de algoz dos aposentados e pensionistas. Dos oposicionistas pode-se dizer que, quando eles estão indo, “O-CARA!” já está voltando. Embora deixasse correr solta a divergência entre, de um lado, os ministros de Estado da Fazenda e do Planejamento, e os ministros de Estado do Trabalho e Previdência, de outro - os primeiros defendendo insistentemente o veto -, “O-CARA!” nunca há de ter excluído de seus cálculos a alternativa de aceitar os 7,72%.

PARA alguns íntimos do poder, ele teria contemplado a hipótese do veto, mas desistiu para não dar à Oposição uma segunda chance eleitoreira. De fato, para não deixar os aposentados e pensionistas sem nenhum aumento acima da inflação, “O-CARA!” teria de editar uma nova medida provisória com qualquer índice diferente do inicial. Como 2 mais 2 são 4, a festiva coalizão da extravagância tornaria a impor o reajuste ampliado; isso, se a Oposição não emplacasse um valor ainda mais irresponsável. De novo, “O-CARA!” viria a ser empurrado às cordas, com a diferença de que, a essa altura, a campanha sucessória já estaria a pleno vapor e o custo político de um segundo veto seria simplesmente proibitivo.

CONCORDANDO com os 7,72%, agora, ele dá a volta por cima. “O-CARA!” poderá posar de benfeitor - a maioria do eleitorado lhe creditará a bondade, e não ao Congresso Nacional -, diga o que disser a Oposição. É pouco provável que, em geral, os votos dos aposentados e pensionistas simpatizantes das candidaturas dos oposicionista José Serra (PSDB-SP) e Marina Silva (PV-AC) migrem por causa disso para a candidatura de dona Rousseff. Mas o ponto é outro. O veto, este sim, tenderia a transferir um certo número de votos dela para os candidatos da Oposição. E, embora seus condutores evitem o assunto em público, a campanha governista acha que pode liquidar a fatura no primeiro turno. Daí “O-CARA!” não se arriscar a perder os votos dos aposentados.

PARA esse governo, o melhor de tudo, é que a Oposição não pode acusar “O-CARA!” de esbanjador por ter aposto o seu nome a uma leviandade da qual ela participou com equivocado entusiasmo. O problema do gasto extra de R$ 1,6 bilhão, com os seus rebatimentos para os próximos exercícios fiscais, é que incide diretamente sobre o déficit das contas da Previdência e Seguridade Social de gerações futuras que não cessa de se expandir. Ainda não se chegou ao fim do primeiro semestre de 2010 e já se estima que o buraco nos cofres do INSS, ultrapassará a marca de R$ 50 bilhões este ano. Em 2008 foi de R$ 38,7 bilhões. Em 2009, alcançou R$ 43,6 bilhões. Pelo menos Luiz Inácio da Silva vetou o fim do Fator Previdenciário, mecanismo adotado no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) para reduzir o crescimento explosivo do rombo no sistema.