Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

domingo, maio 02, 2010

Desafios da democracia

NA ÚLTIMA Quarta-feira, 28, durante o debate dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que manteve a Lei de Anistia destacou-se um aspecto para o qual não se costuma conferir relevância: as dificuldades do exercício da democracia.

RECHEADA de nuances, a democracia não se presta facilmente a maniqueísmos. Nem sempre a tese de aparência mais justa é a mais correta com a História.

O RELATOR do processo no STF, ministro Eros Grau, foi ao ponto essencial no primeiro voto do julgamento: os termos da lei foram intensa e detalhadamente negociados para dar início ao processo de transição democrática e por isso não podem ser julgados por parâmetros atuais e sim examinados com a lógica da época.

NO MAIS, a vontade (e mesmo a necessidade) de punir torturadores, argumento central dos adeptos da revisão, é legítima, defensável e compreensível.

ENTRETANTO não pode sobrepor-se ao amplo acordo negociado por lideranças políticas, sociais, religiosas, aprovado pelo Congresso Nacional que permitiu a volta ao Brasil dos exilados e deu início à redemocratização do País que agora em 2010 está completando 25 anos.

E AQUELE não foi um acordo de cúpulas. O movimento pró-anistia começou nas ruas, com gente correndo risco para atender à convocação para lutar por "anistia ampla, geral e irrestrita".
PEDIA-SE o mais para se conseguir o possível. Assim foi feito, negociado, acertado, aprovado. Não se trata, como a confusão de argumentos em alguns momentos dá a entender, de esconder a História do Brasil, de negar alento a famílias de mortos ou aos torturados nas mãos dos bárbaros a serviço do arbítrio.
ADEMAIS a abertura dos arquivos da ditadura é outra questão diferente da proposta ao exame do plenário do STF. Mudar uma lei elaborada de acordo com os parâmetros e as razões de uma determinada época face uma circunstância específica, como argumentou o ministro Eros Grau, não se justifica 31 anos depois quando a ótica e a lógica são outras.

A NÃO ser que se reabrisse a discussão não da interpretação da lei existente, mas talvez da elaboração de uma nova Lei de Anistia caso os representantes políticos, sociais, religiosos assim entendessem necessário.

CASO contrário, a releitura unilateral considerando excluídos na anistia os crimes cometidos apenas por agentes do Estado, recende a vingança e foge à ideia do desarmamento de espíritos da época só porque a correlação de forças agora favorece a parte que na ocasião precisou ceder para sobreviver.

ESTE talvez seja o caminho mais curto, na democracia o mais fácil. Mas não é o mais correto do ponto de vista da regra estabelecida e pelos signatários, bem entendida.