Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quinta-feira, julho 29, 2010

O buraco de Cabul

NOVA YORK (EUA) – NO ÚLTIMO dia 20, exatos 68 chanceleres se reuniram em Cabul, para a 10.ª conferência dos países que de alguma forma contribuem para a guerra deflagrada em fins de 2001 pelo governo do ex-presidente da República dos Estados Unidos da América (EUA), George W. Bush (2001-08), e os seus parceiros da Aliança Atlântica contra os facínoras do Talibã e da Al-Qaeda sob sua proteção, responsável pelos atentados do 11 de Setembro de 2001. Contrastando com o discurso do presidente da República Islâmica do Afeganistão, Hamid Karzai, que falava do radioso futuro do seu país, "como se a guerra não existisse", segundo um diplomata ouvido pela nossa reportagem, o clima era sombrio.


O pessimismo sobre os rumos do conflito e a viabilidade de um Paquistão capaz de enfrentar por si só a insurgência fundamentalista foram reconhecidos pela secretária de Estado Norte-Americano, Hillary Clinton. "Cidadãos de muitas nações aqui representadas, incluindo a minha própria, se perguntam se existe aqui alguma chance de sucesso - e, existindo, se nós outros estamos dispostos a alcançá-lo", observou. Apenas cinco dias depois, os cidadãos de que Hillary falava ficaram sabendo que a situação no país é muito pior do que admitiam os governos engajados na guerra e até do que informava a Imprensa.


ENTÃO, numa operação sem precedentes, pelo menos 91.731 sigilosos documentos militares e de órgãos de inteligência sobre o Afeganistão foram copiados dos computadores em que estavam armazenados e remetidos ao site WikiLeaks. Criado pelo australiano Julian Assange em 2007, baseado na Suécia e muito conhecido aqui nos EUA, sua especialidade é divulgar documentos secretos de presumível interesse público, enviados por seus leitores. Desta vez, compartilhou o material recebido com o jornal norte-americano The New York Times, o diário inglês The Guardian, e a revista semanal de informação alemã Der Spiegel.


E O resultado de todo esse imbróglio veio à luz no último Domingo, 25, depois de semanas de análise dos textos, produzidos entre 2004 e 2009, e da decisão conjunta de retirar deles nomes de informantes e outros dados capazes de pôr vidas em risco ou prejudicar ações antiterroristas. Por isso, 15 mil documentos deixaram de ser publicados. Ainda assim, o governo dos EUA considerou o vazamento uma "ameaça à segurança nacional" norte-americana. O que saiu foi mais do que suficiente para confirmar o fracasso militar, político, estratégico e moral da empreitada afegã na era George W. Bush, et caterva - o que não parece ter mudado sob o governo de Barack Houssein Obama.


A BEM da verdade, os arquivos divulgados não contêm nenhuma revelação bombástica, daquelas que derrubam governos. E, reduzidos a pele e ossos, não trazem nenhuma novidade. Mas a formidável massa de detalhes expostos sobre o dia a dia da guerra, por sua riqueza assombrosa, confirma de forma incontestável as piores suspeitas: a guerra não enfraqueceu, mas fortaleceu o Talibã; embora o Paquistão receba US$ 1 bilhão por ano para ajudar a combater os insurgentes, o seu temível serviço secreto militar, o ISI, os treina para enfrentar os EUA; os esforços para conquistar as simpatias dos afegãos são um fiasco.


ADEMAIS, a morte de civis desarmados, deliberada ou por indiferença das tropas, e o acobertamento dos incidentes excedem de longe o que se conhecia. As forças norte-americanas criaram um esquadrão para localizar, interrogar e assassinar os afegãos suspeitos de terrorismo incluídos em listas preparadas arbitrariamente e, claro, sem supervisão judicial. Pelo menos 195 pessoas foram eliminadas em condições que configuram crimes de guerra. Até agora, o governo do presidente Obama nada desmentiu do que se publicou na Imprensa aqui nos EUA e mundo afora. E Karzai, presidente da República afegã, fez saber que os documentos descrevem adequadamente o que ocorre no país.


O EFEITO imediato do vazamento será intensificar as pressões pela retirada das tropas. Não é de excluir que o presidente da República dos EUA, Barack Obama, antecipe a revisão do esforço militar no Afeganistão, prevista para Dezembro próximo (Em Dezembro de 2009, ele anunciou a sua estratégia de contrainsurgência e o envio de mais 30 mil soldados àquele país.) A verdade, como nos confidenciou uma fonte do governo norte-americano, é que "não sabemos como reagir". Isso vale também em relação ao jogo duplo do Paquistão - aliado infiltrado de inimigos, do qual os EUA não podem prescindir.


A REFERENCIADA "guerra por necessidade", como diz Obama, está ficando pior do que a "guerra por escolha" no Iraque.