Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

segunda-feira, outubro 19, 2009

Contas que não fecham

SÃO PAULO - NEM OS preocupantes resultados das contas públicas nem as críticas do Banco Central (BC) à execução da política fiscal parecem abalar os economistas dos Ministérios da Fazenda e do Planejamento Orçamento e Gestão. O secretário do Tesouro Nacional (TN), Arno Augustin, por exemplo, não vê risco de surgimento de problemas em 2010 em razão do grande aumento dos gastos, que o governo justificou como necessário para combater a crise internacional - que fez cair a atividade econômica e, em ritmo muito mais intenso, a arrecadação tributária -, mas que tem também forte apelo eleitoral. Os estímulos fiscais previstos para 2010, segundo Augustin, são "adequados" e não produzirão desequilíbrios nas contas públicas - temidos pelo BC porque alimentariam a inflação.

ALGUMAS conclusões de um estudo sobre a arrecadação federal no primeiro semestre de 2009, comparando-a com a de igual período de anos anteriores, porém, apontam para um problema sério das finanças públicas que talvez nem a esperada recuperação da economia possa evitar. Trata-se do descompasso entre as despesas, que crescem rápido demais e devem manter-se em níveis muito altos daqui para a frente, e as receitas, que caíram muito mais do que a produção e não devem crescer tão depressa.

AQUELE trabalho elaborado pelos economistas José Roberto Afonso, Kleber Castro e Gabriel G. Junqueira para o Centro de Estudos da Consultoria do Senado Federal - e do qual a reportagem do Jornal O GLOBO publicou semana passada um resumo preparado por este repórter - mostra que o desempenho da arrecadação federal no primeiro semestre de 2009 foi o pior do período, desde o primeiro mandato do vosso presidente da República Luiz Inácio da Silva (2003-10).

CERTAMENTE a crise econômica mundial afetou o resultado deste ano, que é particularmente ruim quando comparado com o do ano passado. Mas 2008 foi um ano que os autores do estudo consideram excepcional, pois o resultado da arrecadação, quando comparado com o Produto Interno Bruto (PIB), foi o mais alto de toda a série examinada. Kleber Castro observa que a arrecadação tributária vinha crescendo todos os anos havia bastante tempo, mas deu um salto no ano passado, com um aumento não observado em nenhum outro ano. "Em 2009, a receita voltou para sua linha de tendência", completa Castro. E deve manter-se nessa linha em 2010.

PORÉM, para programar os gastos no próximo ano, que o secretário do Tesouro considera "adequados", o governo baseou-se nos resultados do ano passado. Esperando a volta das receitas ao ritmo observado em 2008, o governo definiu despesas - como aumentos para diferentes categorias de servidores públicos federais e o aumento real do salário mínimo, que baliza outros gastos na área social - que afetarão as contas públicas em 2010 e nos anos vindouros, pois são permanentes.

EXISTE desde já "um claro descompasso" entre a capacidade de arrecadar e a disposição de gastar na área federal, que deverá se acentuar. Pior é que, além de gastar cada vez mais - em nome de estímulo à recuperação da economia, mas com custos adicionais para os cidadãos -, o governo gasta mal.

ESSA expansão dos gastos de má qualidade, puxada pelo custeio e outros compromissos permanentes, "contraria a ideia de que se trata de uma política fiscal anticíclica", afirmam os autores do estudo. Os investimentos, que efetivamente estimulam a economia, respondem pela menor parte do crescimento das despesas do governo federal.

E QUANTO aos estímulos fiscais, como a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de veículos e eletrodomésticos, que tiveram um efeito positivo sobre a produção industrial, a maior parte de seu custo foi transferida para Estados e Municípios, que têm direito a uma fatia da arrecadação desse tributo maior do que a da União Federal. "Basear a política fiscal em um resultado completamente fora da realidade das finanças públicas do País pode gerar problemas no futuro próximo", advertem os autores do estudo. Citam, como exemplos, o risco de não-cumprimento das metas fiscais, o aumento da relação dívida líquida/PIB e a desconfiança quanto à sustentabilidade da política fiscal.

ESSA deterioração das contas públicas, visível na redução dos superávits primários necessários para reduzir a dívida do governo, mostra que, se não mudar o rumo, passando a apontar para maior austeridade, a política fiscal pode provocar uma crise.