Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sexta-feira, setembro 28, 2012

Ilusão perdida

EM campanha eleitoral, ainda outro dia, o candidato do Partido Republicano à presidência da República dos Estados Unidos da América (EUA), Mitt Romney, trocou os pés pelas mãos ao tentar explicar o incidente que resultou na morte do embaixador norte-americano na Líbia, Christopher Stevens, para ganhar votos. Nem comentaristas conservadores o pouparam por tirar conclusões críticas ao presidente da República dos EUA, o democrata Barack Houssein Obama, antes mesmo de ter em mãos todas as informações sobre o caso. Tal leviandade pode lhe custar pontos preciosos numa corrida eleitoral tão acirrada. No entanto, o fato é que o governo Barack Obama deu todos os sinais de que foi pego desprevenido, evidenciando um despreparo que parece fruto de uma visão excessivamente romântica da chamada "Primavera Árabe" e do papel dos norte-americanos nela.



A CRISE que originou a tragédia começou quando circulou na internet um vídeo, feito por norte-americanos, que mostra o profeta Maomé como um homossexual que abusa de crianças. As primeiras manifestações de protesto de muçulmanos ocorreram no Cairo - onde a Embaixada dos EUA foi invadida, sob os olhares complacentes da polícia. Os diplomatas norte-americanos emitiram nota em que criticavam o vídeo, numa tentativa de acalmar os ânimos. Para Romney, a nota provava que o governo Obama preferia "simpatizar" com os agressores.



HORAS mais tarde, aconteceu o ataque de manifestantes ao consulado norte-americano em Benghazi, na Líbia. A secretária de Estado Norte-Americano, Hillary Clinton reagiu: "Hoje muitos norte-americanos estão se perguntando, e eu me perguntei, como isso pôde ter acontecido em um país que nós ajudamos a libertar?". A declaração traduz a surpresa com o ataque e mal esconde a decepção do governo dos EUA, em meio a seus esforços de aproximação com o mundo árabe e islâmico, empreendidos desde o início administração Obama.



NESTE aspecto, no entanto, a estratégia de Obama parece tão ineficaz quanto à retórica de seu antecessor, George W. Bush, que prometia salvar o mundo árabe pela mágica da democracia. No Paquistão, por exemplo, nem toda a bilionária ajuda dos EUA mudou a imagem negativa dos americanos. Ao contrário: em três anos, o porcentual de paquistaneses que veem os EUA como inimigos saltou de 64% para 74%, segundo pesquisa do Pew Research Center.



O FATO é que o antiamericanismo entre árabes e muçulmanos do Oriente Médio e do norte da África resulta menos da indisposição popular contra este ou aquele presidente dos EUA e mais de um enraizado ódio ao Ocidente, alimentado pelo discurso de maus governantes interessados em desviar a atenção popular e de grupos político-religiosos empenhados em reafirmar sua disposição de enfrentar o "Grande Satã". Sendo assim, pode-se dizer que nada do que os norte-americanos fizeram até aqui - quer em termos de ajuda econômica, quer ajudando rebeldes a derrubar ditadores - teve o poder de alterar significativamente o sentimento geral.



A MORTE de Stevens e o vandalismo contra a embaixada no Egito são, nesse aspecto, bastante significativos. Mesmo com as veementes e imediatas manifestações de pesar por parte do governo líbio, indicando apreço pelo trabalho dos americanos, o fato é que um diplomata ocidental foi brutalmente assassinado em Benghazi, sinalizando a fragilidade do novo regime líbio ante o desafio de construir um Estado livre e seguro onde floresce o ódio sectário.



NO caso do Egito, onde já houve quatro ataques a embaixadas neste ano e onde o antiamericanismo é violento, a situação é ainda mais confusa e potencialmente mais perigosa. O presidente Mohammed Morsi levou um dia inteiro para se manifestar sobre a violência - e, quando o fez, foi apenas burocrático. Além disso, seu grupo político, a Irmandade Muçulmana, ignorou a diplomacia e convocou novos protestos. Como se trata de um elemento-chave na incipiente democratização da região, por seu tamanho e sua influência, o governo do Egito emite sinais evidentes de que busca se acomodar com os muçulmanos radicais em primeiro lugar. Tudo isso fortalece a sensação de que o otimismo gerado pela "Primavera Árabe" pode não passar de ingenuidade.