Os descalabros do PAC
ESSE padrão de incompetência do governo
federal na gestão do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) tem na
transposição do Rio São Francisco talvez sua face mais dramática. Financiado
inteiramente com recursos públicos, o projeto, que é o mais caro do Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC), foi alardeado como a salvação dos nordestinos
acossados pela seca, ainda na gestão do então ministro de Estado da Integração
Nacional, Ciro Gomes (PSB-CE), no governo Luiz Inácio da Silva (2003-10), mas
tornou-se um manancial de irregularidades - das quais agora nem o Exército
Brasileiro parece ter escapado.
ESTA ideia da transposição é desviar parte
das águas do Rio São Francisco, por meio de canais de concreto, para irrigar o
semiárido dos Estados de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte. O
projeto está dividido em dois eixos, o Norte e o Leste daquela Região. No
início deste Agosto de Deus, como mostrou a nossa reportagem, o Tribunal de
Contas da União (TCU) concluiu uma auditoria no Eixo Norte e constatou que
houve superfaturamento na parte desse trecho que estava entregue ao 2.º
Batalhão de Engenharia do Exército, num montante estimado em mais de R$ 7
milhões. A auditoria sustenta que a irregularidade, em Cabrobó (PE), ocorreu em
razão da "fiscalização inadequada
por parte do Exército Brasileiro".
TAIS problemas não são incomuns quando se
trata da transposição do Rio São Francisco, cujo Eixo Leste deveria ter sido
inaugurado no segundo semestre de 2010, mas que agora deve ficar pronto, se
Deus quiser, só em Dezembro de 2014. O Eixo Norte, esperado para este ano, pode
ser concluído em 2015. Além disso, há várias suspeitas de superfaturamento e
desvio de recursos. O mais recente relatório do TCU a respeito apontou
sobrepreço de R$ 29 milhões em trechos no Estado do Ceará e mandou rever os
custos. Além disso, o TCU constatou indícios de irregularidades na
desapropriação de imóveis para as obras - teria havido avaliação muito acima
dos preços de mercado, e locais em péssimo estado de conservação foram
considerados "em bom estado".
Não é à toa que a previsão de custo da transposição tenha saltado de R$ 4,7
bilhões para R$ 8,2 bilhões, e fica difícil acreditar na presidente da
República, Dilma Wana Rousseff (PT-RS), quando ela diz, como fez em Fevereiro último,
que o governo federal tem "uma clara
perspectiva de fazer com que essa obra entre em regime de cruzeiro e não tenha
nenhum problema de continuidade".
CAUSA-nos espécie, porém, a notícia de que
pode ter havido irregularidades até em obra tocada pelo Exército do Brasil,
instituição que costuma estar acima de qualquer suspeita. Os militares têm sido
uma espécie de esteio dos programas de infraestrutura do governo federal,
porque cumprem prazos e economizam recursos. O Exército Brasileiro está hoje em
25 obras do PAC. Atua na terraplenagem do novo terminal do Aeroporto
Internacional de Guarulhos (SP), além de ter oferecido à Empresa Brasileira de
Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) projetos de engenharia para a expansão
dos aeroportos de Vitória (ES), Goiânia (GO) e Porto Alegre (RS).
NESTE caso do Aeroporto Internacional de
Guarulhos, a competência da "empreiteira
militar" foi amplamente comprovada: o prazo para a entrega da
terraplenagem foi antecipado em 15 meses, e o custo, antes orçado em R$ 417
milhões, caiu 25%. É o exato oposto do que acontece na maioria das obras do PAC
- inclusive, agora se sabe, em uma das que estavam sob incumbência do Exército
Brasileiro.
O PRÓPRIO TCU acaba de constatar que houve
desvio de pelo menos R$ 36,4 milhões na obra da Ferrovia Norte-Sul entre Palmas
(TO) e Uruaçu (GO), como mostrou recente reportagem do Jornal Folha de S. Paulo. Entre outras
irregularidades, foram comprados trilhos e dormentes que acabaram não sendo
usados. Além disso, o empreendimento tem erros de execução que geraram
superfaturamento de R$ 20,7 milhões e que podem comprometer a própria segurança
da operação ferroviária.
NUM outro caso exemplar do descalabro do
PAC, revelado na semana passada pela nossa reportagem as obras de construção da
refinaria cearense Premium 2, tida como prioritária pela Companhia Petróleo do
Brasil (Petrobrás S/A), não foram nem sequer iniciadas, por problemas
fundiários. O lugar é apenas mato, nada menos que 18 meses depois do lançamento
da pedra fundamental por um orgulhoso, então, presidente da República, Luiz
Inácio da Silva, que logo em seguida passaria a faixa presidencial à dona Dilma
Wana Rousseff, a quem apelidou de "mãe
do PAC". Há apenas restos do palanque ali montado para mais uma sessão
do prometido "espetáculo do
crescimento".
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