Cenário de normalidade
DE FATO, era inevitável que a mídia
destacasse o estranhamento entre o ministro Joaquim Barbosa, relator do
processo do Mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF), e o revisor do
trabalho, ministro Ricardo Lewandowski, já no início do julgamento da ação
penal 470, como aquela Corte denomina formalmente o mais explosivo feito que já
lhe tocou examinar em 122 anos de história.
PORÉM a aspereza com que Barbosa se dirigiu
ao colega, acusando-o de "deslealdade"
com o Tribunal, para dele ouvir que usara "um termo forte", prenunciando um horizonte "muito tumultuado", não deve turvar a
percepção de que a tranquilidade, esta, sim, prevaleceu na semana inaugural do
julgamento.
RELATOR e revisor bateram boca, para
repetir a expressão amplamente utilizada na mídia, porque Lewandowski respaldou
a tese do desmembramento do processo, apresentada, como previsto, sob a forma
de questão de ordem pelo advogado (e ex-ministro de Estado da Justiça no
governo lullopetista) Márcio Thomaz
Bastos, defensor do ex-vice-presidente do Banco Rural S/A, José Roberto
Salgado. Ele pretendia que o STF se limitasse a julgar os três únicos réus com
direito ao chamado foro privilegiado, por serem deputados federais, despachando
para a primeira instância todo o material que dissesse respeito aos 35 outros.
As primeiras palavras de Lewandowski em favor do pedido irritaram Barbosa, mas
a sua reação não impediu que o outro consumisse quase uma hora e meia lendo o
meticuloso voto que havia preparado.
COM isso e os pronunciamentos dos demais
ministros, dos quais apenas uns poucos foram breves, a agenda da jornada deixou
de ser cumprida, ficando para o dia seguinte a leitura da peça acusatória
preparada pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Houve tempo,
apenas, para Barbosa ler o resumo das 122 páginas do seu relatório - com o
qual, aliás, o revisor concordou instantaneamente. Não faltou quem lamentasse a
quebra da pauta e nela visse um indício de que o julgamento levará mais tempo
do que o estimado, a ponto de privar de seu voto o ministro Cezar Peluso,
obrigado a se aposentar até o próximo dia 03 de Setembro. Mas o tempo gasto não
foi tempo perdido.
AQUELAS quatro horas dedicadas à questão de
ordem, afinal rejeitada por 9 votos a 2 (apenas o ministro Marco Aurélio de Mello
acompanhou Lewandowski), serviram para que a "belíssima" discussão do desdobramento, no dizer da ministra
Rosa Weber, fosse definitivamente esgotada no caso. Três vezes aquela Corte já
se manifestara contra a cisão, mas nunca em seguida a um debate exaustivo de
seus aspectos constitucionais. Essa era uma das duas maiores pedras no caminho
do julgamento. A outra, a da polêmica sobre a suspeição do ex-advogado-geral da
União, ministro José Antonio Dias Toffoli, para participar do julgamento, foi
igualmente transposta - sem alarde nem traumas.
O MINSITRO Toffoli foi indicado para o STF
pelo então presidente da República, Luiz Inácio da Silva em 2010, depois de ter
trabalhado para o Partido dos Trabalhadores (PT), prestado assessoria jurídica
à bancada federal do partido e de ter sido levado à Casa Civil da Presidência
da República pelo seu então titular, José Dirceu (PT-SP), que viria a ser
apontado como "chefe da quadrilha"
mensaleira, segundo autos do processo em julgamento. Como advogado da segunda
campanha de Luiz Inácio da Silva à Presidência da República em 2006, sustentou que
o Mensalão "jamais" foi
comprovado. E a sua namorada, Roberta Rangel, advogou em 2007 para um dos
acusados no processo, o ex-deputado federal Professor Luizinho (PT-SP). Na
quinta-feira, Toffoli deixou claro que não se declararia impedido, ao mencionar
a certa altura que já tinha redigido o voto que irá proferir no julgamento.
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