A arrumação da Anatel
BLOOMINGTON (EUA) – ENTÃO,
desde ontem, por decisão da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), três
das principais operadoras de telefonia móvel no Brasil estão proibidas de
vender serviços de internet e telefonia a novos clientes, até que cumpram uma
série de exigências - a Telecom Itália Mobile (TIM) em 18 Estados e no Distrito
Federal, a Telemar Norte Leste S.A (Oi) em 5 Estados e a América Movil (Claro)
em outros 3, inclusive o Estado de São Paulo, maior mercado de telefonia do
País. Os motivos que levaram a essa decisão drástica foram as constantes
interrupções nas ligações e o número crescente de reclamações dos clientes.
Entre Janeiro e Junho foram registradas mais de 70 mil reclamações nos Procons
em todo o País. Na Anatel, houve 487 mil queixas no segundo semestre de 2011 -
20% a mais do que no primeiro semestre - e 90 mil apenas no último mês de Junho.
ATÉ então, a
punição mais dura aplicada pela agência reguladora ocorreu em 2009, com a
suspensão, por dois meses, das vendas do serviço de internet de banda larga da
Telefônica di Spaña (controladora da Vivo Telecom). A diretoria da empresa
calcula ter perdido quase 150 mil clientes. Em Janeiro de 2011, a Justiça
Federal proibiu a TIM de vender novos chips no Rio Grande do Norte, por "péssima prestação" de serviços. Em
Porto Alegre, há dias, a Coordenadoria de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon) suspendeu as vendas de serviços de telefonia
móvel de todas as operadoras.
A PÉSSIMA qualidade
dos serviços - entre as principais reclamações está a ausência de sinal até
mesmo em cômodos de uma mesma casa - se deve à insuficiência de investimentos
para enfrentar o crescimento do número de clientes. Em 2011, a TIM aumentou a
base de assinantes em 25,6%, mas investiu apenas 5% mais; a Claro ampliou a clientela
em 17,5%, sem informar os investimentos; e a Oi aumentou o atendimento em
15,8%, sem esclarecer qual parcela de investimento foi destinada à telefonia móvel.
ENTRE os principais
problemas decorrentes dessa situação, de acordo com técnicos ouvidos pela nossa
reportagem, está a deficiência das antenas. A capacidade das antenas de
telefonia móvel aqui nos Estados Unidos da
América (EUA) é mais de dez vezes superior à capacidade das antenas distribuídas
no Brasil, lembrou um deles.
ATÉ o estímulo ao
uso do telefone móvel contribuiu para piorar a qualidade do serviço: as
comunicações entre aparelhos móveis de uma mesma companhia, inclusive
interestaduais, têm custo mínimo, congestionando ainda mais redes já
subdimensionadas.
A ANATEL exige
melhorias nas redes, atendimento eficiente ao consumidor, inclusive nos call
centers, e a solução dos problemas que acarretam interrupções das ligações. As
empresas têm prazo de 30 dias para apresentar planos de investimentos capazes
de atender a essas exigências e cujos resultados serão avaliados pela Anatel. A
punição para aquelas que desobedecerem a proibição de vender assinaturas e
chips é de R$ 200 mil por dia. "Embora
extremas, as medidas são necessárias para arrumar o setor", afirmou o
presidente da Anatel, João Rezende à nossa reportagem no Brasil. "Não somos contrários à apresentação de
ofertas agressivas", esclareceu, "mas o aumento da base de clientes tem de ser acompanhado por
investimento na rede".
AS operadoras de
telefonia punidas reclamaram da decisão da Anatel, argumentando que a
burocracia e as leis dificultam a expansão dos negócios e retardam os investimentos.
É o caso das licenças para instalar antenas. Mas as empresas, que já estão há
muito tempo no Brasil, conhecem a realidade local e não podem esquecer de que
as regras estabelecidas para seus negócios, que lhes possibilitaram obter bons
lucros - o que é legítimo e saudável -, também lhes impõem deveres de prestar
bom atendimento aos clientes. Se a rede não comportava - não importa por que
razão - aumento do número de clientes, este não deveria ter sido buscado, para
que as empresas não vendessem o que não conseguiriam entregar.
ESSA grande
expansão do mercado de telefonia móvel - o número de aparelhos chegou a 256
milhões, com crescimento de 19% ao ano - possibilitou importantes ganhos de
escala, mas mesmo assim as tarifas brasileiras continuam entre as mais altas do
mundo. Recursos para investir, portanto, não deveriam faltar.
POR outro lado, sob
o ponto de vista financeiro, o leilão para introduzir no Brasil a internet
móvel ultrarrápida de quarta geração (4G), realizado outro dia pela Anatel, não
foi dos piores. Os ágios pagos para a concessão por 15 anos, prorrogáveis por
mais 15, das quatro faixas nacionais de 4G - não incluindo 269 faixas regionais
- variaram entre 5% e 66,61%, ficando o ágio médio em 35,59%, proporcionando ao
governo uma receita de R$ 2,565 bilhões. Como se esperava, as concessões foram
feitas às quatro maiores empresas de telefonia no País - Claro, Vivo, TIM e Oi.
Como a tecnologia de terceira geração (3G) ainda deixa muito a desejar no País,
há muitas dúvidas quanto à capacidade de as empresas vencedoras satisfazerem -
com serviços de qualidade - a demanda de 4G no prazo previsto, o que exigirá
pesados investimentos. Parece irrealista a previsão do Ministério das
Comunicações de que o leilão 4G proporcionará cobertura adequada para os
grandes eventos esportivos programados para os próximos anos.
A CLARO e a Vivo
venceram, respectivamente, as disputas pelo primeiro e o segundo lotes, ficando
com as duas faixas de frequência de 2,5 gigahertz (GHz), com maior capacidade,
e as duas restantes, com espectro de menor envergadura, foram para a TIM e a
Oi. O presidente da Anatel, João Batista de Rezende, estima que os
investimentos das operadoras devem variar entre R$ 12 bilhões e R$ 15 bilhões
até 2018 para implantar a rede que dará suporte à 4G e à telefonia rural. Em
comunicado divulgado depois do leilão, a Claro informou que, já tendo
capacitado toda a sua rede para a conexão 3G, pretende investir R$ 3,5 bilhões
ainda este ano na nova tecnologia.
TAL cronograma é
bastante apertado. As cidades onde serão realizados os jogos da Copa das
Confederações da FIFA deverão ter cobertura 4G até 30 de Abril de 2013. Em
antecipação à Copa do Mundo de Futebol da FIFA em 2014, todas as sedes e
subsedes - ainda não definidas - dos jogos devem contar com o serviço até Dezembro
de 2013. Quanto às regiões rurais, o prazo vai até 2015 e, como não houve
interesse por essas áreas, elas foram distribuídas entre as vencedoras. As
empresas também tiveram de oferecer internet em escolas públicas com velocidade
de download de 256 kilobytes por segundo (kbps).
ISSO acarretará o
aumento de custos, e o mercado tende a evoluir lentamente. A faixa de 2,5 GHz
permite grande capacidade de transmissão de dados, embora a cobertura da antena
seja menor. As empresas terão, portanto, de instalar antenas a distâncias
menores, o que exigirá entendimentos às vezes demorados com municípios e
governos estaduais, que têm normas a esse respeito. Isso depende, naturalmente,
da popularização da tecnologia 4G, com maior uso de aparelhos caros, como
smartphones, modems e tablets, ainda pouco acessíveis a grande parte da
população brasileira.
COM os dois pés no
chão, o presidente da consultoria Teleco, Eduardo Tude, avalia que a velocidade
média de 4G no Brasil possa ficar entre 5 megabytes por segundo (Mbps) e 12
Mbps, muito mais rápida do que a 3G (entre 1 e 2 Mbps). Falando à nossa
reportagem, porém, Tude ressaltou que o serviço deve levar alguns anos para
atingir um nível adequado por causa do preço, não só dos aparelhos, mas também
dos planos das operadoras, mais caros que os praticados na 3G. Para ele, a 4G
no começo deve servir, basicamente, a profissionais que dependem da internet
móvel rápida para o trabalho, dispostos a pagar alto preço pelo serviço.
O MAIOR obstáculo,
porém, é a exigência de conteúdo nacional de 60% dos bens, produtos e
equipamentos que constituirão a infraestrutura da 4G, sendo 10% de tecnologia
nacional. Essa proporção vale para o período entre 2012 e 2014, subindo para
70% entre 2017 e 2022. Isso deve significar custos bastante elevados,
principalmente no período inicial de implantação da 4G. Além disso, a medida é
contestada no plano internacional. O governo daqui nos EUA e dos países da
União Europeia (UE) já se pronunciaram na Organização Mundial do Comércio (OMC)
contra essa exigência, alegando tratar-se de uma barreira ilegal ao comércio no
setor de telecomunicações.
Às empresas
atingidas só cabe agora adaptar-se à "arrumação
do setor" a que se refere o presidente da Anatel.
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