O “dele”, o “teu”, o “nosso”
NA última Quinta-feira, 17,
em plena sessão da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do Caso
Carlinhos Cachoeira, um telecinegrafista (SBT) em Brasília (DF), flagrou o
inadvertido ex-líder do governo na Câmara dos Deputados, Cândido Vaccarezza
(PT-SP), escrevendo ao governador do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral Filho
(PMDB-RJ), no smartfone: "A relação
com o PMDB vai azedar na CPI. Mas não se preocupe, você é nosso e nós somos teu
(sic)". Talvez, sem o grosseiro erro de concordância da mensagem do
deputado federal petista endereçada ao governador fluminense, pode-se apostar
que um certo número de integrantes dessa CPMI poderia tranquilizar nos mesmos
termos qualquer “peixe grande” da
política ou dos negócios ameaçado de se tornar alvo do inquérito parlamentar
das duas Casas do Congresso Nacional sobre as relações do contraventor Carlos
Augusto Ramos, vulgo Carlinhos Cachoeira, com agentes públicos e privados.
A CONVICÇÃO de que Vaccarezza
está longe de deter, entre os seus pares, o monopólio da proteção a possíveis
protagonistas da trama da qual Cachoeira é o pivô ganhou força com as decisões
tomadas naquela mesma sessão pelo relator da investigação, o deputado federal Odair
Cunha (PT-MG) - com o apoio tácito ou explícito de setores da Oposição -, aguando
essa CPMI. Como se temia, ele blindou o governador do Estado de Goiás, Marconi
Perillo (PSDB-GO); o governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT-DF); e
o governador do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral Filho, contra
tentativas de apurar o envolvimento desses, ou com Cachoeira, ou com o dono da Delta
Construções, Fernando Cavendish, de cuja empresa o contraventor seria "sócio oculto", no dizer do
Ministério Público (MP). Foram igualmente poupados de convocação para depor ou
da quebra dos seus sigilos o empresário, a empreiteira sediada no Rio de
Janeiro e três deputados goianos da quadrilha de Cachoeira.
PARA que não se dissesse que
melhor faria essa CPMI se, para todos os efeitos, desse os trâmites por findos,
o relator aprovou 51 convocações e 40 quebras de sigilo fiscal, bancário e
telefônico. Os visados são familiares, operadores e cupinchas do batoteiro; o
ex-diretor da Delta Construções no Centro-Oeste, Cláudio Abreu, preso no último
dia 25 de Abril; as filiais da empresa em Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do
Sul, Tocantins e Distrito Federal; o tesoureiro da campanha de Perillo e
porta-voz do seu governo, Jayme Rincon; e o ex-chefe de gabinete de Queiroz,
Cláudio Monteiro. Quanto aos dois outros governadores, acertaram-se os partidos
que são "teu" como diria
Vaccarezza. Em vez de Cavendish, um ex-preposto. Em vez da matriz da Delta
Construções, as suas distantes filiais. "Falta de indícios", a mentirosa justificativa que raros
membros da CPMI rejeitaram. Citem-se, por justiça, os senadores Pedro Taques (PDT-MT),
e Randolfe Rodrigues (PSOL-AP).
CONTRARIAMENTE ao que o dono
da Delta Construções quis fazer crer, os nexos da cúpula da empresa com o contraventor
goiano foram constatados em pelo menos 22 telefonemas interceptados pelo Departamento
de Polícia Federal (DPF). E o nome de Cavendish aparece em conversas de
Cachoeira com o senador Demóstenes Torres (sem partido-GO), enredado em
negócios com as duas pontas da linha. Sem investigar o empreiteiro, que certa
vez proclamou que, "se botar 30
milhões na mão de um político", seria convidado "pra coisa pra …", aí sim não se
chegará aos eventuais malfeitos do governador do Estado do Rio de Janeiro, onde
a Delta Construções, em cinco anos da gestão Cabral, fechou contratos no valor
de R$ 1,49 bilhão. O que é notório é a proximidade entre ambos, incluindo cenas
de esbórnia explícita em Paris. À falta de provas objetivas, sobrevive a
palavra de Cabral de que não mistura governo e amizades, não obstante o
prestimoso Vaccarezza ter achado necessário acalmá-lo com a lembrança de que
ele é "nosso".
E POR fim, sem investigar a
Delta Construções, aí sim não se chegará às eventuais traficâncias que poderiam
ter sido providenciais para torná-la a maior executora do Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC). Desde 2003, nenhuma firma de nenhum ramo
recebe tanto do governo federal. Só em 2011, ela faturou R$ 862,4 milhões por
obras em 20 Estados. As irregularidades descobertas nos respectivos contratos
montam a R$ 632 milhões. A Delta Construções está para ser considerada "inidônea" pela Controladoria-Geral
da União (CGU). Em 2010, doou R$ 2,3 milhões, divididos praticamente ao meio,
ao Partido dos Trabalhadores (PT) e ao Partido do Movimento Democrático
Brasileiro (PMDB).
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