A retórica como transferência da culpabilidade
RIO
DE JANEIRO (RJ) - O DISCURSO contra os banqueiros é sempre um sucesso de
público - e muitas vezes de crítica - e a presidente da República, Dilma Wana Rousseff
(PT-RS) tem-se dedicado com notável empenho a essa tarefa. O que não deve
surpreender ninguém: os juros cobrados no Brasil, entre os mais altos do mundo,
estão muito além de qualquer padrão aceitável, exceto em momentos excepcionais,
nos países civilizados. Mas foi um tanto surpreendente a escolha dos juros como
tema central de seu pronunciamento na última Segunda-feira, 1º deste Maio, para
comemorar o Dia do Trabalho. Dona Rousseff aproveitou a celebração do
trabalhador brasileiro para cobrar mais uma vez a redução do custo dos
financiamentos, como se fosse essa, neste momento, a ação mais importante para
a criação de empregos e para o aumento do bem-estar dos trabalhadores. Os
bancos brasileiros, disse a presidente da República, são muito sólidos e isso é
bom para o País, mas nada justifica a manutenção de juros tão altos. Ela
exortou o setor bancário, mais uma vez, a seguir o exemplo dos bancos públicos
que atuam no varejo: Caixa Econômica Federal (CEF) e do Banco do Brasil (BB
S/A).
TAL
campanha presidencial diversifica e enriquece o discurso oficial sobre os
grandes entraves ao crescimento econômico e ao desenvolvimento do Brasil.
Durante algum tempo a presidente da República concentrou os ataques num alvo
externo - a política dos bancos centrais do mundo rico, acusados de causar um tsunami monetário. O excesso de dinheiro
emitido na Europa e nos Estados Unidos da América (EUA) é apontado como causa
da valorização do real e da perda de competitividade da indústria brasileira.
ESTA
é uma campanha politicamente interessante, embora inútil do ponto de vista
econômico. Nenhuma autoridade monetária do mundo rico vai mudar sua política
para atender o governo brasileiro. Mas a função principal desse tipo de
retórica não é resolver problemas. É transferir culpas. No caso dos bancos brasileiros,
a capacidade de ação do governo é certamente maior, embora limitada. Além
disso, a opinião pública é sem dúvida mais sensível a esse tipo de discurso do
que à peroração sobre os bancos centrais estrangeiros.
NINGUÉM,
exceto os banqueiros e seus porta-vozes, considera como razoáveis os juros
cobrados no mercado brasileiro. As justificativas apresentadas - impostos muito
altos, elevada inadimplência, depósitos compulsórios muito grandes - são
obviamente insuficientes. Afinal, cerca de um terço do spread (a diferença
entre o custo de captação dos bancos e os juros cobrados nos empréstimos)
corresponde ao lucro dos bancos. Esse lucro só é sustentável porque o grau de
concorrência no setor financeiro é muito baixo e as instituições têm enorme poder
na formação de seus preços.
TODOS
esses pontos foram analisados tecnicamente em vários estudos. Daí a decisão do
governo de forçar o aumento da competição por meio dos bancos oficiais. Mas
qual a eficácia real dessa estratégia? Instituições privadas cortaram os juros
de algumas linhas de financiamento, mas muito mais para dar uma satisfação ao
governo e à opinião pública do que para enfrentar, de fato, competidores
estatais. O jogo pode não ter acabado e talvez sejam necessários novos lances
das entidades federais. Até onde poderão avançar sem comprometer a
rentabilidade e sem precisar recorrer ao Tesouro Nacional (TN)?
JUROS
são importantes, mas não são tudo. Dona Rousseff sabe disso e mencionou a
"diminuição equilibrada de impostos"
e o combate à sobrevalorização cambial. Mas o governo pouco tem feito nessas e
em outras áreas muito relevantes para a competitividade da indústria e para a
criação de empregos. Não é preciso insistir na lentidão do Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC), nas deficiências da infraestrutura, nas
distorções tributárias, na falta de uma política eficiente de tecnologia e na
baixa qualidade do gasto público. Rousseff prometeu mais de uma vez melhorar a
capacidade gerencial da administração federal. Ficou na promessa.
TAIS
campanhas contra o tsunami monetário e os juros altos no Brasil seriam mais
dignas de crédito se fossem precedidas de ações sérias para a solução de
problemas da alçada direta do governo. Sem isso, a retórica da presidente da
República Federativa do Brasil não se distancia muito das perorações habituais
de sua congênere argentina Cristina Fernándes Kirchner.
<< Página inicial