No negativo
AO
fazer um balanço dos dois anos em que esteve à frente do Supremo Tribunal
Federal (STF), o ministro Cezar Peluso surpreendeu ao reconhecer que não teve
força política para aumentar o orçamento da Justiça nem para ver aprovadas as
propostas que, a seu ver, descongestionariam os tribunais e acelerariam o
processo de execução das decisões judiciais. Raras vezes, na história do Poder
Judiciário, um presidente de um tribunal superior deixou o cargo ressaltando
mais os fracassos do que as realizações de sua gestão.
O
DEPOIMENTO de Peluso que transferiu o cargo, no último dia 19, para o ministro Carlos
Ayres Britto - foi feito ao site Consultor Jurídico na Internet e deixou os
meios forenses e políticos perplexos, entre outros motivos, por causa das
explicações que deu para as promessas que não cumpriu e as medidas que não
conseguiu implementar.
AO
justificar o engavetamento da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que prevê
o cumprimento de decisões judiciais antes do trânsito em julgado, por exemplo,
o presidente do STF atribuiu a responsabilidade ao senador Francisco Dornelles
(PP-RJ). "A PEC só não foi votada
porque o Dornelles complicou. Quem o senador representa? Ele é do Partido
Progressista (PP) ou do BB - das bancas e bancos. Estes são os grandes
interessados na discussão. O Dornelles é senador da República pelo Rio de
Janeiro, mas representa, de fato, os interesses dos bancos e representantes de
grandes bancas de advogados em Brasília", disse Peluso, com
surpreendente agressividade. A PEC, de fato, foi criticada por juristas e
ministros do STF, por ferir garantias fundamentais.
AO
explicar por que não conseguiu reajustar os salários da magistratura, Peluso
acusou a presidente da República, Dilma Rousseff (PT-RS), de descumprir a
Constituição Federal do Brasil (CFB), retirando do Orçamento da União a
proposta, por ele encaminhada, de aumento das verbas da Justiça. "Mandei ofício à presidente citando
precedentes, dizendo que o Executivo não poderia mexer na proposta orçamentária
do Judiciário, que é um Poder independente. Quem poderia divergir era o
Congresso Nacional. Ela simplesmente ignorou", afirmou Peluso, sem
considerar que os Poderes são autônomos, mas o cofre é um só e a responsabilidade
sobre o que entra e sobre o que sai é do Poder Executivo. O ministro também
acusou Rousseff de não cumprir o inciso X do artigo 37 da CFB, que prevê "revisão anual geral da remuneração dos
servidores públicos. Interpretou, assim, o conceito de revisão" - que
significa "análise" ou
"exame", segundo os
dicionários - como obrigatoriedade de aumento.
ALÉM
de fustigar colegas do STF - como o relator do processo do Mensalão, ministro
Joaquim Barbosa, de quem disse que julga mais com base em motivações políticas
do que jurídicas -, Peluso investiu contra a corregedora nacional de justiça, ministra
Eliana Calmon. "Ela fez várias
denúncias, mas até agora não apresentou resultado concreto algum. Ela está se
perdendo no contato com a mídia e deixando de lado o foco, a procura de resultados
concretos. No mês de Setembro, ela sai e retorna para o tribunal dela, que é o Superior
Tribunal de Justiça (STJ). São apenas três meses. Que legado deixou?",
perguntou Peluso, esquecendo-se de que a corregedora submeteu as Justiças
estaduais a auditorias, investigou 1.016 integrantes do Judiciário sob suspeita
de terem feito movimentações financeiras atípicas e afastou juízes e
desembargadores por desvio de conduta.
NAQUELA
entrevista ao site Consultor Jurídico na internet, Peluso ainda deixou
transparecer seu arraigado corporativismo. Ele afirmou que, na corregedoria do
Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), "resolvia os problemas sem alarde ou sem escarcéu". E em sua
gestão à frente do CNJ, como é sabido, propôs que o julgamento de processos
administrativos contra juízes acusados de desvio de conduta não fosse público,
mas fechado. E, para preservar a imagem desses magistrados, também determinou
que seus nomes não fossem divulgados, mas somente as iniciais.
SEM
se envolver nessa polêmica, mas reafirmando o que sempre defendeu em seus votos
e entrevistas, o sucessor de Peluso na presidência do STF, ministro Carlos Ayres
Brito já deixou claro que apóia o CNJ e defende o máximo de transparência nos
julgamentos do órgão e do STF. Ainda bem!
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