Temperamento mal-ajambrado
SÃO PAULO (SP) - QUE a presidente da República, Dilma Wana Rousseff
(PT-RS) foi pega de surpresa com a destituição de Fernando Lugo da presidência da
República do Paraguai, no último dia 22 de Junho, todos já sabiam. Afinal, só
isso explica, por exemplo, a açodada decisão de enviar uma comitiva diplomática
ao Paraguai para, noves fora a retórica legalista, intimidar os parlamentares
daquele país e questionar suas decisões soberanas. Mas agora o País começa a
inteirar-se dos motivos do vexame: o serviço de inteligência e diplomatas
brasileiros até produziram relatórios sobre o recrudescimento da crise e da
crescente possibilidade de impeachment
de Lugo, mas, segundo assessores da Presidência da República, esses documentos
não foram encaminhados à presidente Rousseff.
MAS o roteiro desse desastre de comunicação
pode ser traçado a partir do último dia 15 de Junho, quando um confronto por
desocupação de terras na cidade paraguaia de Curuguaty resultou na morte de 11 trabalhadores
rurais sem-terra e 6 policiais. A Agência Brasileira de Inteligência (Abin)
produziu nesse mesmo dia um relatório sobre o caso, mostrando que a crise
poderia resultar até no impeachment
de Lugo - o então presidente do Paraguai, um país em que a questão agrária é
especialmente delicada, foi acusado pela oposição de ter sido responsável pelo
conflito. Esse documento não foi adicionado às sínteses que são entregues
diariamente a dona Rousseff. Ela viajou ao México dois dias depois, para a
reunião do G-20, e nenhum de seus auxiliares a procurou para falar sobre a
crise paraguaia.
NO último dia 20 de Junho, antevéspera do impeachment de Lugo, a Abin produziu
outro relatório, mostrando que o processo para o afastamento de Lugo seria
mesmo aberto e que ele havia perdido todo o apoio que tinha no Congresso
Nacional paraguaio. Também esse documento não foi encaminhado à dona Rousseff.
O texto, assim como os demais, pousara na mesa do ministro-chefe do Gabinete de
Segurança Institucional da Presidência da República, general José Elito,
responsável por repassá-lo à presidente da República. Elito costuma resumir ou
mesmo nem sequer passar adiante os relatórios que considera irrelevantes, e
parece que foi isso o que ele fez com os documentos que teriam alertado dona
Rousseff para a escalada violenta e irresistível da crise no Paraguai.
O Ministério das Relações Exteriores e o
assessor especial da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia (PT-SP),
também não fizeram muito melhor. O embaixador do Brasil em Assunção, Eduardo
dos Santos, relatou por telefone a Garcia, em várias oportunidades, o que
estava presenciando. O assessor Garcia recebeu ainda diversos relatórios do
Itamaraty apontando para o agravamento do quadro, mas Garcia, aparentemente,
não conversou com dona Rousseff sobre o assunto, embora estivesse com ela no
México.
A ASSESSORIA do Palácio do Planalto
acredita que tanto Elito quanto Garcia subestimaram as informações sobre o
Paraguai porque o pedido de impeachment
contra Lugo seria o 24.º de uma longa lista de tentativas da oposição de
destituir o então presidente da República do Paraguai; logo, segundo esse
raciocínio, não daria em nada. Mas a situação de Lugo havia mudado
drasticamente, sem que os auxiliares de dona Rousseff responsáveis por
informá-la a respeito tivessem se dado conta. O apoio político ao presidente
paraguaio, que já era mínimo, foi pulverizado da noite para o dia quando ele
trocou o comando do Ministério do Interior, como reação ao conflito de
Curuguaty, e desagradou a única legenda que ainda o sustentava, o Partido
Liberal Radical Autêntico. Tudo isso foi documentado pelo Itamaraty e pela
Abin, mas Dilma Rousseff não soube.
TAL exemplo de inépcia escancara ao menos
dois problemas. O primeiro é que o estilo centralizador de Rousseff parece
constranger alguns de seus auxiliares a não "incomodá-la" com assuntos que ela possa vir a considerar
irrelevantes, causando uma de suas já famosas reações intempestivas.
O SEGUNDO problema, muito mais grave, é que
a presidente da República pode estar no apagão não só em relação ao ocorrido no
Paraguai, mas a muitos outros temas cruciais, graças a erros internos de
comunicação. Assim, ela estaria exposta à possibilidade de ter de tomar
decisões importantes sem ter todas as informações necessárias para isso - quer
porque elas estão mal-ajambradas, quer porque elas simplesmente foram
engavetadas por algum assessor receoso do temperamento da presidente Rousseff.
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