Argumentos definitivos
RIO DE JANEIRO (RJ) - A DEFESA dos 38
réus no julgamento do Mensalão, empreendido pelo delubiovalerioduto (2003-05),
sob a égide do então todo-podoroso ministro-chefe da Casa Civil da Presidência
da República, José Dirceu (PT-SP) no primeiro mandato presidencial de Luiz
Inácio da Silva (2002-06), tem insistido na tese de que as provas obtidas pela Comissão
Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investigou o esquema de corrupção
entre petistas, empresários e aliados no Congresso Nacional, e pelo
Departamento de Polícia Federal (DPF), usadas pela Procuradoria-Geral da
República na acusação, não têm valor no processo, porque seriam meramente
testemunhais e teriam sido arroladas "sem
o contraditório" - isto é, sem que os advogados dos 38 réus pudessem
contestá-las. Mas, agora no julgamento histórico, a defesa de Zé Dirceu apontado
pela Procuradoria como o mentor daquela quadrilha, encaminhou memorial ao
Supremo Tribunal Federal (STF) para rebater os argumentos apresentados pelo
procurador-geral Roberto Gurgel, invocando o princípio da "ampla defesa e do contraditório" - como se isso já não
tivesse ocorrido, nesta fase do processo, na longa sustentação oral em
plenário. Pois na última Quinta-feira, 09, o ministro Joaquim Barbosa, relator
do processo no STF, tratou de lembrar que o contraditório tem dois lados, ao
inquirir um dos advogados sobre a versão que ele estava apresentando para os fatos.
EM atitude até então inédita por parte do
relator, Barbosa fez perguntas a Marthius Sávio Cavalcante Lobato, defensor de
Henrique Pizzolato, ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil S/A. Acusado de
peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro, Pizzolato, então filiado ao
PT, é apontado como responsável pela aprovação do repasse de R$ 73 milhões do
Fundo Visanet, que tem participação do Banco do Brasil S/A, para a agência mineira
de publicidade DNA, de propriedade do lobista Marcos Valério de Souza, considerado
o operador do Mensalão. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), esse
dinheiro era público. Além disso, Pizzolato recebeu um envelope com R$ 326 mil
de Valério de Souza, em dinheiro vivo.
EM sua exposição, Lobato disse que
Pizzolato não tinha poder para autorizar sozinho o repasse e que os recursos
eram privados. Sobre o envelope com dinheiro, saiu-se com a seguinte história:
ele recebeu um telefonema da secretária de Valério pedindo-lhe que viesse
buscar uma "encomenda"; sem
querer saber o que havia no pacote, Pizzolato disse ter feito o que Valério
pediu e repassou o envelope a um emissário do PT no Rio - como se fosse um contínuo.
AO final da sustentação oral de Lobato, o
ministro Barbosa interpelou o advogado. Quis saber de mais detalhes sobre o
mecanismo de transferência do dinheiro do Fundo Visanet para a DNA e perguntou
também quem, no Banco do Brasil S/A, dava a ordem para a liberação dos recursos
para os projetos de marketing. A essa indagação, Lobato respondeu dizendo que
não era uma única pessoa que decidia a questão, e, sim, o Comitê de Marketing.
No entanto, em 2003 e 2004, anos em que ocorreram os maiores repasses, o tal
comitê era composto por seis executivos da Diretoria de Marketing do BB SA,
além do diretor - o próprio Pizzolato. A investigação do DPF mostra que, nessa
condição, Pizzolato autorizou o pagamento.
ESSA questão do Banco do Brasil S/A e do
Fundo Visanet é central no caso do Mensalão, porque seria esse o duto pelo qual
teria passado o dinheiro público que, segundo a acusação, alimentou o esquema.
O ministro Joaquim Barbosa quis saber do advogado Lobato justamente qual era a
origem dos recursos repassados à DNA. Segundo o advogado, tratava-se de um
porcentual das compras feitas pelos clientes dos cartões de crédito e débito nas
bandeira Visa. Mas o DPF sustenta que o dinheiro vinha dos "incentivadores" do fundo na
proporção de sua participação acionária - portanto, o BB S/A, como acionista,
entrou com os recursos públicos.
SEM emitir nenhuma opinião ou comentário,
Barbosa deu-se por satisfeito. As contradições estavam expostas, e os advogados
dos demais réus estão cientes de que suas arengas teriam de ir além dos
argumentos que imputam ao julgamento qualificativos depreciativos como "terrorismo", "ilusionismo jurídico" e "construção mental".
AQUELA intervenção do ministro Barbosa está
prevista no regimento do STF. Portanto, não há de que se queixarem os
advogados. A atitude do relator serviu para lembrar que o julgamento não é uma
mera declamação de argumentos, e, sim, a exposição mais ampla possível das
divergências de narrativa sobre um fato - que, no caso do Mensalão, são imensas.
<< Página inicial