A imaginação fértil dos ideólogos do petismo
BARRETOS (SP) – E ENTÃO, o
ministro de Estado da Defesa, Celso Amorim (PMDB-RJ), voltou a pedir a
ampliação dos gastos com as Forças Armadas do Brasil, em recente evento da
Associação de Estudos da Defesa, como noticiou o nossa reportagem. No entanto,
sua justificativa para pedir mais recursos na área militar foi constrangedora:
o ministro acredita na possibilidade de agressão não de algum vizinho, tampouco
de narcoguerrilhas ou grupos terroristas, mas de "grandes potências e alianças militares" - que só podem ser
Estados Unidos da América (EUA) e a Organização dos Paises do Tratado do
Atlântico Norte (Otan).
AMORIM avalia que há hoje um "forte sentimento de insegurança no sistema
internacional" em razão de ações militares unilaterais, referindo-se
às guerras no Iraque e no Afeganistão, deflagradas pelos norte-americanos, e à
intervenção da Otan na Líbia sem que houvesse claro mandato da Organização das
Nações Unidas (ONU) para isso.
COMO sugere a fala de Amorim, casos como
esses mostram que o Brasil deve se precaver. "Temos um patrimônio que nos transforma num dos territórios mais ricos
do planeta", disse ele, enfatizando também a "nova estatura internacional
do Brasil ao redor do mundo" (sic
!). E arrematou: "O Brasil deve
construir capacidade dissuasória crível, que torne extremamente custosa a
perspectiva de agressão externa a nosso país". Os estrategistas
militares de Washington devem ter perdido o sono depois disso.
ESSE discurso de Amorim se aproxima
perigosamente da delirante retórica bolivariana, que enxerga nos EUA uma ameaça
militar permanente, como se uma invasão dos "ianques" fosse acontecer a qualquer momento na América do Sul.
Foi com essa desculpa grotesca que o caudilho venezuelano, o
coronel-paraquedista Hugo Chávez, armou-se até os dentes com equipamento bélico
russo - muito mais para atemorizar a oposição interna, graças à militarização
das chamadas "milícias bolivarianas",
do que para enfrentar uma improvável intervenção norte-americana. Essa
coincidência entre a posição de Amorim e as bandeiras do bolivarianismo não
deveria causar espanto, a julgar por sua trajetória na Chancelaria durante o
governo Luiz Inácio da Silva (2003-10).
NADA disso significa que não haja
necessidade de qualificar os investimentos nas Forças Armadas do Brasil,
sobretudo diante do estado de penúria em que elas se encontram. Um estudo
produzido pelo Ministério da Defesa mostra que metade dos equipamentos
militares do Brasil simplesmente não tem condições de uso. Há casos críticos,
como o da Marinha, responsável por patrulhar a área que guarda uma das
principais riquezas a que aludiu Amorim - isto é, o petróleo da camada do
pré-sal. Os números mais recentes, compilados no ano passado, mostram que
somente 2 dos 23 jatos A-4 da Marinha do Brasil estavam em condições de voar.
Além disso, apenas 53 das 100 embarcações e 2 dos 5 submarinos podiam navegar.
Na Aeronáutica do Brasil, nem metade dos aviões saía do chão, e a maior parte
da envelhecida frota superou os 15 anos de uso. Como se sabe, porém, essa renovação,
prometida ainda no governo anterior, está emperrada.
O PAÍS gasta 1,5% do Produto Interno Bruto
(PIB) com defesa, e Amorim quer algo em torno de 2%, equiparando-se à China,
Rússia e Índia. É difícil imaginar, no entanto, que o Brasil tenha necessidades
militares semelhantes às desses países, a não ser como expressão de
megalomania. Ademais, já estamos entre os 15 países do mundo que mais gastam na
área militar - na Lei Orçamentária Anual (Loa) para este ano, a dotação do
Ministério da Defesa foi de R$ 64,795 bilhões. O problema é que, desse valor,
R$ 45,298 bilhões estavam destinados ao pagamento de pessoal e de encargos
sociais, enquanto R$ 9,128 bilhões foram destacados para investimentos. Ainda
assim, a verba para modernizar a área militar vem crescendo constantemente
desde 2007, quando somou R$ 5 bilhões.
MAIS econômico, portanto, seria investir
numa equação em que as Forças Armadas Brasileiras gastassem melhor os recursos
disponíveis e priorizassem a proteção das fronteiras, sem ter de,
recorrentemente, fazer o papel que cabe à polícia.
DE FATO não resta dúvida de que é
imperativo manter uma força militar capaz de enfrentar os desafios da defesa
nacional, mas é preciso estabelecer prioridades claras, lastreadas em ameaças
reais, e não na imaginação fértil de um punhado de ideólogos
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