Mudança de rumo
BARRETOS (SP) - NEM as
pirâmides, que tudo já viram, esperavam por essa. Um mês e meio depois de
assumir o governo, o primeiro presidente egípcio eleito pelo voto popular,
Mohamed Morsi, despachou para a reserva o marechal Mohamed Hussein Tantawi.
Durante duas décadas ele foi ministro da Defesa e braço direito do ditador
Hosni Mubarak. Em Fevereiro do ano passado, quando o autocrata foi obrigado a
renunciar, ao cabo de 18 dias de manifestações pelo fim do regime, Tantawi o
substituiu, na condição de chefe do Conselho Supremo das Forças Armadas (CSFA),
a junta que tomou o poder com a promessa de uma nova Constituição e eleições
livres. Morsi o conservou na Defesa, dando a impressão de que o Egito avançara
apenas meio passo no caminho da mudança exigida pelas multidões da Praça
Tahrir.
HAVIA, de fato, motivos de sobra para
duvidar que o privilegiado estamento armado, que controla o Estado e 40% da
economia nacional, iria se recolher mansamente à caserna, cumprida a sua parte
na transição. Em junho, o CSFA reinstituiu o estado de emergência que
garroteara o país durante 30 anos, extinto duas semanas antes. Em seguida, a Corte
Constitucional, cujos membros foram todos nomeados por Mubarak, ordenou a
dissolução do Parlamento, de ampla maioria islâmica, eleito na virada do ano,
delegando à junta as suas atribuições. A decisão foi tomada às vésperas do
segundo turno das eleições presidenciais, vencidas por Morsi.
INDICADO pela Irmandade Muçulmana para
concorrer depois de a junta ter mandado cassar o seu candidato original, Morsi
- um engenheiro de 51 anos, que se graduou em uma das melhores Universidades dos
Estados Unidos da América (EUA), mas orador sonífero - tentou mostrar a que
veio. Desfiliou-se do partido islâmico, apelou à unidade nacional e ordenou a
reabertura do Parlamento. Mas o tribunal fincou pé e ele recuou. Foi a sua
segunda derrota consecutiva: entre a eleição e a posse, sempre com apoio
judicial, os militares baixaram uma espécie de versão egípcia do infame Ato
Institucional n.º 5 da ditadura brasileira: impuseram uma Constituição
provisória e impediram o presidente em vias de assumir de dar a última palavra
sobre a política externa e a segurança interna, o orçamento das Forças Armadas
e das estatais sob o seu mando. Parecia traçado em terra firme o desequilíbrio
dos poderes na era pós-Mubarak, sob hegemonia fardada.
AINDA não se sabe quando e em que
circunstâncias Morsi teria resolvido virar o jogo. De todo modo, no fim da
semana atrasada, um ataque jihadista a forças policiais egípcias na Península
do Sinai, na área de fronteira com Israel, matou 16 soldados e deu ao
presidente uma oportunidade que talvez não esperasse. Entre outros oficiais da
cúpula dos serviços de segurança, ele demitiu sumariamente o chefe da
Inteligência nacional, Mourad Mowafi. O que se passou nos dias seguintes
permanece nebuloso, mas no domingo ele fez o inimaginável. Aposentou não apenas
Tantawi, mas também o chefe do Estado-Maior do Exército, general Sami Hafez
Anan, além de afastar os comandantes da Marinha e da Força Aérea. Não foi,
porém, o costumeiro murro na mesa. Antes de mandar Tantawi e Anan para a
reserva, honrou-os com a Ordem do Nilo, a mais alta condecoração do país, e os
nomeou seus conselheiros.
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