Sopa de letrinhas e o fisiologismo
BOSTON (EUA) – SE de fato
havia necessidade de mais alguma prova da desmoralização do sistema
político-partidário brasileiro, a criação do Partido Ecológico Nacional (PEN)
resolveu o problema.
ESSA nova
agremiação política, que obteve seu registro há um mês no Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), buscava adesões entre parlamentares que desejavam mudar de
partido - o prazo final para essa transição era o último dia 19, e o PEN havia
tido pouco sucesso, com a filiação de um deputado federal e cerca de 30 deputados
estaduais. É, em resumo, mais um partido nanico a tomar dinheiro do
contribuinte e a obter meios de barganha com tempo de propaganda no Rádio e na
TV.
A LEI que dispõe
sobre a criação de partidos diz que todas as legendas têm direito a um pedaço
do Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (FEAFPP),
conhecido como “Fundo Partidário”. Ou
seja: não há necessidade nem de ser bem votado para garantir o financiamento.
Um partido nanico como o Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB) do
notório Levy Fidelix, por exemplo, fez jus a mais de R$ 1,5 milhão no ano
passado.
ADEMAIS, se obtiver
a votação mínima exigida para continuar a ter existência na Câmara dos
Deputados, o partido ganha o direito de veicular, uma vez por semestre, em
cadeia nacional de Rádio e TV, um programa de 20 minutos. Também tem direito a
um programa por semestre em cadeia estadual. A lei dá ainda aos partidos
inserções de até 1 minuto em redes nacional e estadual, somando 40 minutos por
semestre. É um patrimônio nada desprezível, considerando-se que a exposição no
Rádio e na TV se tornou mais importante do que considerações programáticas -
como provou o histórico aperto de mão entre o ex-presidente da República, Luiz
Inácio da Silva (PT-SP) e o ex-prefeito municipal de São Paulo, Paulo Salim Maluf
(PP-SP).
O PEN, portanto,
fez um negócio de ocasião, recompensando o esforço pessoal de seu criador, o
ex-deputado estadual paulista Adilson Barroso Oliveira (PEN-SP). Ele chegou a
incluir quatro irmãos, sua mulher e um filho no diretório nacional do partido,
para "fazer número" e
viabilizar a criação da legenda. Regularizado, o PEN, que terá o número 51 nas
urnas a partir da eleição de 2014, agora começa a lustrar o balcão onde
pretende receber seus fregueses.
EM seu site na
internet, o PEN diz que vai "preencher
um espaço vazio no cenário político brasileiro" e que seus projetos
"afastam-se do campo político para
aproximarem-se do campo ecológico". O PEN também diz que ainda não
decidiu se fará ou não oposição ao governo federal, mas parece claro que será
mais um abrigo para insatisfeitos de partidos da Oposição que planejam aderir à
base de apoio do governo Dilma Rousseff (2011-14) no Congresso Nacional.
ESTE é um discurso
que emula o "idealismo" do
prefeito municipal de São Paulo, Gilberto Kassab (PSD-SP), ao criar seu Partido
Social Democrático (PSD), aquele que "não
será nem de direita, nem de esquerda, nem de centro". Mas as semelhanças
acabam aí. Enquanto Kassab e congêneres almejam participar do Grande Jogo, os
nanicos desejam apenas explorar as brechas do sistema para auferir ganhos de
outra espécie. Nada que chegue perto do lucro do Partido Progressista (PP) de
Maluf, que desde seu embarque na candidatura de Fernando Haddad (PT-SP)
tornou-se o segundo partido com mais verbas destinadas pelo Poder Executivo
Federal a projetos previstos no Orçamento. O PEN, certamente, será mais
modesto.
ISSO tudo seria
quase nada se não refletisse a erosão do sistema político, que há anos clama
por reformas. A lei de criação de partidos diz que eles devem destinar-se a
"assegurar, no interesse do regime
democrático, a autenticidade do sistema representativo". Com seu
matagal de siglas e sua leniência jurídica, esse modelo parece ter se tornado
refém de oportunistas, que exploram suas falhas e fazem pouco de suas leis -
como mostram as autuações por propaganda eleitoral irregular, cujo valor é tão
insignificante que os candidatos infringem sistematicamente as normas e pagam
as multas como se fossem despesas correntes de campanha.
ESSE PEN e seus
assemelhados não são apenas galhofas inocentes. Eles são um dos sintomas da
deliberada desestruturação institucional da democracia brasileira, com vista a
manter um arremedo de representatividade que mal esconde projetos de
perpetuação no poder de uns e a ganância de outros.
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