Nossa poupança de cada dia
RIO
DE JANEIRO (RJ) - MODIFICAR as regras e a legislação da caderneta de poupança,
a mais antiga e mais democrática forma de aplicação financeira, foi uma rara
demonstração de coragem política da presidente da República, Dilma Wana
Rousseff (PT-RS). Tal mudança era necessária, sabia-se há muito tempo, mas o
governo sempre dava um jeito de empurrar a decisão para um dia indeterminado. Com
as alterações anunciadas na última Quinta-feira, 003, fica aberto, finalmente,
o espaço necessário para a redução da Selic, a taxa básica de juros, até níveis
mais civilizados. O lance é duplamente estratégico, porque facilita a gestão da
dívida pública e, ao mesmo tempo, reforça a política presidencial de redução do
custo do crédito. Mas reforça, ao mesmo tempo, a imagem de um Banco Central
(BC) cada vez mais submisso aos humores do Palácio do Planalto e a um roteiro
traçado na cúpula do Poder Executivo. Nada mais razoável que a dúvida: o BC
terá trocado a meta de inflação pela meta de juros? A Taxa Selic continuará
caindo se as condições da inflação o permitirem, disse o ministro de Estado da
Fazenda, Guido Mantega (PT-SP). A avaliação dessas condições, tudo indica, já
foi feita.
SEM
entrar nessa questão, a presidente da República e o ministro de Estado da
Fazenda têm bons argumentos técnicos para defender a alteração nas regras da
poupança. Primeiro ponto: a taxa Selic
remunera os títulos da dívida pública. Se ficasse abaixo do rendimento da poupança,
investidores deixariam os fundos, migrariam para as cadernetas e o Tesouro
Nacional (TN) teria dificuldade para refinanciar sua dívida. Segundo ponto: uma
liberdade maior para manejar a taxa básica deve dar ao governo mais força para
pressionar os bancos a baixar seus juros. Esta é, pelo menos, a expectativa
indicada pelas autoridades, embora não devam ter ilusões: será necessário um
jogo mais duro para levar os bancos privados a baratear o crédito mais
significativamente do que foi feito até agora.
ESTE
segundo ponto é especialmente importante para a presidente Rousseff. Em
discurso na posse do novo ministro de Estado do Trabalho, horas antes do
anúncio da alteração das cadernetas, ela voltou a indicar três grandes
obstáculos ao crescimento econômico do País: o câmbio valorizado, os juros
altos e os impostos.
O
CÂMBIO é hoje mais favorável do que há alguns meses. Isso é reconhecido em
Brasília (DF), embora o ministro de Estado da Fazenda continue denunciando uma
guerra cambial promovida, segundo ele, pelas autoridades do mundo rico. Medidas
tomadas pelo governo, disse ele, empurraram o dólar de R$ 1,75 para a R$ 1,92 e
- mais importante - frearam a valorização do real. Boa parte da alta do dólar
foi realmente causada por fatos diferentes daqueles mencionados pelo ministro,
mas o detalhe relevante, neste momento, é a melhora das condições cambiais. E
quanto aos outros obstáculos?
O
GOVERNO tem-se empenhado principalmente na campanha pela redução dos juros. O
Banco do Brasil (BB S/A) e a Caixa Econômica Federal (CEF) foram mobilizados
para cortar suas taxas e impor alguma concorrência aos bancos privados. Os
banqueiros responderam com o barateamento de algumas linhas. A mudança foi
principalmente cosmética, embora haja, de fato, muito espaço para redução da
margem dos bancos.
O
GOVERNO está certo quanto à necessidade de corte dos juros, mas seu discurso
falha em relação a um ponto: se o custo do crédito for reduzido mais
amplamente, neste momento, a indústria brasileira ainda terá dificuldade para
aumentar a produção. Não basta, agora, estimular a demanda com mais crédito,
porque o produtor nacional tem enorme dificuldade para competir com o
estrangeiro. Sem mexer mais seriamente numa porção de outros custos, o governo
dificilmente mudará as condições desse jogo. Investir sai muito caro para a
indústria brasileira não só pelo custo do capital, mas também por causa dos
impostos e isto é só uma pequena parte do problema.
NENHUMA
iniciativa do governo federal para mexer nos impostos e em vários outros custos
especificamente brasileiros tem efeito mais que epidérmico. Rousseff não
manifestou, até hoje, a mínima disposição de atacar de modo mais consequente os
problemas da produção. Falta levar a outras áreas a coragem demonstrada na
alteração das regras da nossa poupança de cada dia.
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