Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sábado, agosto 20, 2011

A faxina sectarista de dona Dilma

BARRETOS (SP) – SÓ MESMO atribuindo insuspeitados poderes maquiavélicos à presidente da República desse grande e bobo País, dona Dilma Wana Rousseff (PT-RS), no sentido comum do termo, é que se poderia acreditar que ela tramou por debaixo dos panos a queda do ministro de Estado da Agricultura, Wagner Rossi (PMDB-SP), para afastar do seu governo a crescente sombra de mais um escândalo de corrupção. Na realidade, a presidente da República tinha todos os motivos - descontada a ética pública - para manter à frente daquele Ministério o veterano político peemedebista, unha e carne do vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB-SP), o dirigente de facto da agremiação. Afinal, o seu reiterado endosso ao colaborador que ela chegou a considerar "exemplar" enriqueceu o cardápio da reunião de congraçamento com a cúpula do partido, na presença de expoentes do Partido dos Trabalhadores (PT), Segunda-feira, 15, à noite, menos de 48 horas antes de Rossi escrever as 940 palavras de sua prolixa carta de demissão.

TAL atestado de confiança no ministro de Estado - praticamente coincidindo, por sinal, com o início das investigações do Departamento de Polícia Federal (DPF) sobre as revelações da imprensa de corrupção no seu setor - completava as juras de aproximação com o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), que deixaram encantados os interlocutores da presidente da República. Segundo Temer, que acompanhou o velho amigo na entrega do cargo, Rousseff pediu-lhe com insistência que mudasse de ideia. Não há por que duvidar da sinceridade do apelo. O que teria se passado, então? Basicamente, correm duas versões para a decisão de Rossi. A mais difundida é que ele não aguentou o tranco quando, já não bastasse a entrada do DPF no caso, a reportagem do Jornal Correio Braziliense (Diários Associados S/A) noticiou que usava o jatinho de uma empresa de Ribeirão Preto, seu reduto eleitoral, credenciada pela Agricultura, na primeira gestão Rossi, a produzir vacinas contra a aftosa.

ESTE "fato novo" que assombra todos os enredados em acusações de ilícitos provou mais uma vez ser a gota d"água, ao reforçar as pressões da família, que já vinha sendo hostilizada em razão das denúncias, para que largasse a pasta. A segunda versão, de que se fala à boca pequena e que não contradiz necessariamente a anterior, sustenta que as partes interessadas passaram a recear que o escândalo no Ministério da Agricultura, além de outros que Rossi teria em seu passivo, quando dirigiu a Companhia Docas em São Paulo, também por indicação de Temer, poderiam respingar no vice-presidente da República. A acreditar nessa hipótese, Temer não teria ficado nem um pouco surpreso com o ato de Rossi, se é que não o induziu a isso. O registro das avaliações importa por dois motivos. De um lado, contribui para dissociar Rousseff da renúncia, ainda que lhe convenha que a parcela da opinião pública que só lê as manchetes acredite realmente que ela mandou embora quatro ministros de Estado em oito meses para moralizar o governo.

DE outro lado, porque, apesar da alegação de Rossi de que as suspeitas contra ele foram plantadas por "um político brasileiro" interessado em prejudicar o PMDB em São Paulo - a alusão ao ex-governador do Estado de São de São Paulo, José Serra (PSDB-SP), é óbvia -, comprova o vigor da Imprensa livre no País e das instituições de defesa do interesse público, no caso, a Polícia Federal (PF). Bem que a presidente da República disse dias atrás ter "excelentes motivos" para confiar nelas. Politicamente, a demissão não parece tê-la prejudicado junto à base parlamentar que ela enfim começou a cercar de cuidados. Tão logo Rossi se foi, a presidente fez saber a Temer que a vaga seria de quem quer que o PMDB indicasse. A bancada federal escolheu o líder do governo no Congresso Nacional, por sinal nomeado não faz muito, deputado Mendes Ribeiro (PMDB-RS). Ele foi o único peemedebista no Rio Grande do Sul a mergulhar na campanha presidencial de Dilma. A sua ida para o Ministério da Agricultura trará de volta à Câmara dos Deputados um veterano quadro da sigla naquele Estado, Eliseu Padilha (PMDB-RS), suplente de Ribeiro (e desafeto do governador gaúcho Tarso Genro/PT-RS).

PARA Rousseff não deixa de ser um bom negócio, apesar da turbulência. Rossi, afinal, era o homem de Temer no governo. Ribeiro tem atrás de si uma bancada de 80 deputados, menor apenas que a do Partido dos Trabalhadores (PT) e que tanto vinha reclamando da desatenção da presidente. Para o País, enfim, a saída de Rossi é uma evidente boa notícia. Nada do que ele disse em resposta às acusações de que foi alvo restaurou o que antes pudesse ter de autoridade moral para seguir ministro.

QUANDO vieram lhe pedir a cabeça do todo-poderoso chefe do Federal Bureau of Investigation (FBI), J. Edgar Hoover, porque mandara espionar os líderes do movimento pelos direitos civis, sem respeitar nem o reverendo Martin Luther King, o presidente da República, Lyndon Johnson, que governou os Estados Unidos da América (EUA) de 1963 a 1969, rejeitou a ideia com um argumento que se tornaria um marco do pragmatismo político, quanto mais não fosse pela forma que o desbocado texano encontrou para se expressar. "É melhor ter o Hoover dentro da nossa tenda, urinando para fora", ensinou, "do que tê-lo fora, urinando para dentro".
A PRESIDENTE Rousseff pode, ou não, conhecer a história - e decerto não usaria tais termos em circunstâncias similares. Mas, aconselhada pelo expoente do pragmatismo na política brasileira, o seu antecessor Luiz Inácio da Silva (PT-SP), a presidente da República aplicou a Lei de Johnson para recompor as suas relações com os partidos aliados, a começar pelo mais forte deles, o PMDB do vice Michel Temer, com seus 20 senadores da República e 80deputados federais. Reunida na segunda-feira à noite com a cúpula da sigla e a do PT - a "espinha dorsal do governo", como disse -, Rousseff parecia o seu patrono.

ENQUANTO os convivas sorviam um alentador caldo verde, anunciou o descongelamento imediato de R$ 1 bilhão para as emendas parlamentares da base, prometeu evitar novos atritos, manifestou "confiança" no peemedebista Pedro Novais (PMDB-MA), titular do escrachado Ministério do Turismo, alcançado por denúncias de corrupção.

NÃO menos exultante, também por motivos pessoais, como não poderia deixar de ser, ficou o líder do PMDB na Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), que vinha reclamando do frio na tenda dilmista. A reunião, entoou, representou um "novo marco". Pudera: a anfitriã chancelou o acordo pelo qual o PT ficou de ceder ao PMDB, ou seja, a Alves, a presidência da Câmara dos Deputados em 2013. Era o que ele mais queria para se sentir reconfortado e pronto para fazer o equivalente ao que o norte-americano Johnson queria que o indócil Hoover fizesse "para fora". E dona Rousseff, que imaginara ingenuamente que bastaria um encontro daqueles por semestre, vai fazer um por mês - sem deixar de fora nenhuma legenda aliada.

PODERÁ, quem sabe, convidar até os senadores do Partido da República (PR) que divergiram da decisão do seu presidente, o ex-ministro Alfredo Nascimento (PR-MT), de retirar o partido da coalizão governista, em represália à limpeza ética que o apeou e aos seus apaniguados no Ministério dos Transportes. O senador Magno Malta (PR-ES), por exemplo, anunciou que não tem a menor intenção de sair da base. O seu irmão Maurício Malta (PR-ES), a propósito, usufrui de uma boquinha no famigerado Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). Outro perrepista dissidente, o senador mineiro Clésio Andrade (PR-MG), tem um afilhado na superintendência local do órgão. A rigor, não havia motivo para ansiedade: o PR não pediu a ninguém que se demitisse; apenas que deixasse os cargos "à disposição".

O PANO de fundo da conversão de Rousseff ao pragmatismo lullista combina dois tons. Um é a ficha que enfim caiu: a base não pertence à presidente da República; é uma aquisição do seu mentor, cedida a ela em comodato e sujeita a panes se não for administrada como os seus membros foram acostumados a esperar. O outro tom são as circunstâncias: Rousseff precisa de votos no Congresso Nacional não apenas para a "governabilidade", em abstrato, mas para aprovar medidas que poupariam o País do contágio da crise externa e derrubar aquelas que, no seu entender, tenham efeito oposto. Nessa conjuntura, a higiene johnsoniana na tenda é tida como crucial pela presidente da República.

NÃO se trata, portanto, daquela que seria propiciada pela dedetização dos inumeráveis focos de corrupção no seu interior. Talvez dona Rousseff já não reaja a novas denúncias da Imprensa como reagiu no caso do Ministério dos Transportes. Segundo uma versão, no ágape com o esfaimado PMDB, ela teria considerado "sectarista" (sic) a cobertura dos escândalos. No sentido que conta, é mesmo. Cabe à Imprensa, de fato, distinguir o bem do mal - e escolher entre um lado e outro.