O “morto” mais alegre e feliz da obra de Amado
RECIFE (PE) - MUITOS críticos consideram “A Morte e a Morte de Quincas Berro d''Água” o melhor texto do renomado romancista baiano Jorge Amado, ao lado de “Vasco Moscoso de Aragão, Capitão de Longo Curso”. “Vasco Moscoso” é um romance, de quase 300 páginas, contando a história do navegante imaginário (ou será que não?), e suas aventuras, vividas ou sonhadas pelos mares do mundo. “Quincas Berro d’Água” é um relato relativamente breve, uma novela de 120 páginas, uma encomenda da extinta revista Senhor. "Daí o formato sintético, tão diferente do Jorge Amado barroco e oceânico a que nos acostumamos", analisa o ator e diretor Paulo José (TV GLOBO), intérprete de “Quincas Berro d’Água” nessa adaptação feita pelo cineasta baiano Sérgio Machado (GLOBOFILMES) , o mesmo diretor de “Cidade Baixa” e que está em cartaz nas de Cinema Brasil afora.
A HISTÓRIA de “Quincas” é uma delícia e o filme preserva seu sabor original. “Joaquim” (o “Quincas”) é o servidor público modelo, casado com uma megera e pai de uma filha chatinha. Tudo, aliás, é tédio na vida de “Quincas”: do trabalho aos colegas, dos parentes à família. E assim toca a existência até o dia em que resolve mandar tudo às urtigas e se transformar em “Quincas”, o cachaceiro-mor, o boêmio das noites de Salvador (BA), o rei dos bordéis e das mesas de jogatina, o amigo dos mestres da capoeira, dos malandros do Pelourinho e dos marinheiros do cais do porto. Enfim, é um personagem que desiste da chatice da existência certinha encontra a alegria em meio à marginalia, lá onde mestre Jorge Amado pensa residir a vida mais autêntica e feliz. A vida antiburguesa por definição.
NÃO haveria grande diferença temática em relação a outras de suas obras, como o volumoso “Dona Flor e seus Dois Maridos”, não fosse a grande sacada de construir a narrativa a partir da morte do protagonista. O boêmio é encontrado morto em seu quarto miserável na Cidade Baixa e a família, para manter as aparências, resolve lhe dar enterro decente. Como se a morte recuperasse “Quincas” para a virtude pequeno-burguesa que havia abandonado ao se devotar ao álcool e à malta com a qual estabelece suas novas relações de amizade. O que a família não contava era com a fidelidade canina dessa escória social, que chega ao velório para prestar a última homenagem ao defunto e acaba por levá-lo a passeio pela noite soteropolitana, para uma última farra, para a gargalhada final.
VARIADAS nuances positivas pontificam nessa leitura da obra de Jorge Amado por Sérgio Machado. A começar pela preservação da espinha dorsal da narrativa, mas não como sujeição à letra do texto e sim ao seu espírito. Há, no filme, episódios que não constam do livro, mas esses acréscimos em nada distorcem a ideia básica do relato. Apenas o reciclam para um meio de expressão que precisa de ritmo e movimento diferentes daqueles da literatura. Movimento que pode às vezes se tornar excessivo, como na sequência em que o "morto" é conduzido a uma delegacia de polícia e dela é retirado pela janela.
PORÉM é justamente a esse morto que o filme deve muito de sua vida. Machado diz que, na fase de projeto, seu sonho de consumo era ter o ator Paulo José no papel principal. Não ousava convidá-lo porque sabia que o ator é portador do mal de Parkinson. Falou sobre isso à sua figurinista, Kika Lopes, mulher de Paulo José. Ela lhe disse que o marido estava ótimo. Havia sido operado nos Estados Unidos da América (EUA) e ganhara um implante cerebral que controlava a doença. "Foi o maior presente que ganhei", diz Machado.
E PAULO José correspondeu à expectativa. Empenhou-se a fundo na filmagem. Era o primeiro a chegar ao set e o último a sair. Para facilitar o trabalho, construíram um boneco para substituí-lo nas cenas mais difíceis. "Foi o gasto mais inútil que tivemos", diz Machado, "porque Paulo fez questão de fazer quase tudo sozinho, sem a ajuda do ‘dublê’".
O PRÓPRIO Paulo argumenta que o boneco é muito duro, sem molejo. Porque sim, mesmo um morto tem vida, como demonstra o ator. Paulo faz seu “Quincas” defunto "falar" por um ou outro gesto involuntário, e também por um sutil sorriso que estampa nos lábios. O resultado é uma comédia muito boa, com todos os ingredientes sociais presentes na obra do mestre Jorge Amado. Um clássico da nossa literatura levado ao Cinema!
O ESCRITOR Jorge Amado tinha de fato uma predileção pelos desvalidos, pela escala social mais baixa, e o diretor Sérgio Machado o acompanha nessa opção. "Acho que é uma constante no tipo de cinema que eu faço", diz, lembrando dos personagens populares de “Cidade Baixa” (GLOBOFILMES). Tanto assim, que agora ele trabalha com a adaptação de “A Arca de Noé”, do petinha carioca Vinicius de Moraes, e manifesta sua preferência por animais como a minhoca e percevejos. "Os insetos são o lumpesinato do reino animal", nos revela rindo.
A HISTÓRIA de “Quincas” é uma delícia e o filme preserva seu sabor original. “Joaquim” (o “Quincas”) é o servidor público modelo, casado com uma megera e pai de uma filha chatinha. Tudo, aliás, é tédio na vida de “Quincas”: do trabalho aos colegas, dos parentes à família. E assim toca a existência até o dia em que resolve mandar tudo às urtigas e se transformar em “Quincas”, o cachaceiro-mor, o boêmio das noites de Salvador (BA), o rei dos bordéis e das mesas de jogatina, o amigo dos mestres da capoeira, dos malandros do Pelourinho e dos marinheiros do cais do porto. Enfim, é um personagem que desiste da chatice da existência certinha encontra a alegria em meio à marginalia, lá onde mestre Jorge Amado pensa residir a vida mais autêntica e feliz. A vida antiburguesa por definição.
NÃO haveria grande diferença temática em relação a outras de suas obras, como o volumoso “Dona Flor e seus Dois Maridos”, não fosse a grande sacada de construir a narrativa a partir da morte do protagonista. O boêmio é encontrado morto em seu quarto miserável na Cidade Baixa e a família, para manter as aparências, resolve lhe dar enterro decente. Como se a morte recuperasse “Quincas” para a virtude pequeno-burguesa que havia abandonado ao se devotar ao álcool e à malta com a qual estabelece suas novas relações de amizade. O que a família não contava era com a fidelidade canina dessa escória social, que chega ao velório para prestar a última homenagem ao defunto e acaba por levá-lo a passeio pela noite soteropolitana, para uma última farra, para a gargalhada final.
VARIADAS nuances positivas pontificam nessa leitura da obra de Jorge Amado por Sérgio Machado. A começar pela preservação da espinha dorsal da narrativa, mas não como sujeição à letra do texto e sim ao seu espírito. Há, no filme, episódios que não constam do livro, mas esses acréscimos em nada distorcem a ideia básica do relato. Apenas o reciclam para um meio de expressão que precisa de ritmo e movimento diferentes daqueles da literatura. Movimento que pode às vezes se tornar excessivo, como na sequência em que o "morto" é conduzido a uma delegacia de polícia e dela é retirado pela janela.
PORÉM é justamente a esse morto que o filme deve muito de sua vida. Machado diz que, na fase de projeto, seu sonho de consumo era ter o ator Paulo José no papel principal. Não ousava convidá-lo porque sabia que o ator é portador do mal de Parkinson. Falou sobre isso à sua figurinista, Kika Lopes, mulher de Paulo José. Ela lhe disse que o marido estava ótimo. Havia sido operado nos Estados Unidos da América (EUA) e ganhara um implante cerebral que controlava a doença. "Foi o maior presente que ganhei", diz Machado.
E PAULO José correspondeu à expectativa. Empenhou-se a fundo na filmagem. Era o primeiro a chegar ao set e o último a sair. Para facilitar o trabalho, construíram um boneco para substituí-lo nas cenas mais difíceis. "Foi o gasto mais inútil que tivemos", diz Machado, "porque Paulo fez questão de fazer quase tudo sozinho, sem a ajuda do ‘dublê’".
O PRÓPRIO Paulo argumenta que o boneco é muito duro, sem molejo. Porque sim, mesmo um morto tem vida, como demonstra o ator. Paulo faz seu “Quincas” defunto "falar" por um ou outro gesto involuntário, e também por um sutil sorriso que estampa nos lábios. O resultado é uma comédia muito boa, com todos os ingredientes sociais presentes na obra do mestre Jorge Amado. Um clássico da nossa literatura levado ao Cinema!
O ESCRITOR Jorge Amado tinha de fato uma predileção pelos desvalidos, pela escala social mais baixa, e o diretor Sérgio Machado o acompanha nessa opção. "Acho que é uma constante no tipo de cinema que eu faço", diz, lembrando dos personagens populares de “Cidade Baixa” (GLOBOFILMES). Tanto assim, que agora ele trabalha com a adaptação de “A Arca de Noé”, do petinha carioca Vinicius de Moraes, e manifesta sua preferência por animais como a minhoca e percevejos. "Os insetos são o lumpesinato do reino animal", nos revela rindo.
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