O armistício coreano
RIO DE JANEIRO (RJ) - WEN JIABAO, o primeiro-ministro da República Socialista da China, reuniu-se ontem em Seul com o presidente da Coreia do Sul, Lee Myung-bak, para tratar da crise na Península Coreana desencadeada pelo torpedeamento da corveta sul-coreana Cheonan em 26 de Março, que matou 46 marinheiros. Um relatório oficial de 400 páginas sobre o ocorrido é inequívoco ao acusar a Coreia do Norte pelo ataque em águas próximas à fronteira marítima entre os dois países. Demarcada pela Organização das Nações Unidas (ONU) depois da guerra de 1950 a 1953, a linha é contestada pelo regime de Pyongyang? Que, evidentemente, também nega a acusação do Sul.
ESSA visita de Jiabao a Seul parece ser a única concessão do governo chinês ao governo dos Estados Unidos da América (EUA), no caso. Em visita à Capital chinesa, no começo da semana, sintomaticamente em companhia do comandante da frota norte-americana no Pacífico, almirante Robert Willard, a secretária de Estado Norte-Americano, Hillary Clinton, insistiu com o presidente chinês Hu Jintao que o ultraje deveria ser punido com a aplicação de sanções contra a Coreia do Norte pelo Conselho de Segurança da ONU. O governo da China - que sustenta a ditadura feudal de Kim Jong-il -, não disse não, muito menos sim. Os porta-vozes chineses limitaram-se a informar que o país fará a "sua própria avaliação" do incidente e pediram "contenção" às partes.
E CONDUTA do governo chinês será crucial para o desenrolar do confronto entre as duas Coreias - e não apenas por terem os chineses poder de veto sobre as decisões do Conselho de Segurança da ONU. Peça-chave na região, a China mantém laços históricos e ideológicos com Pyongyang, mas também desenvolveu fortes relações econômicas e comerciais com Seul. No ano passado, apoiou a adoção de sanções à Coreia do Norte por seu programa nuclear. Fontes diplomáticas americanas afirmam ter indícios de dissensões na hierarquia chinesa em relação ao tratamento a dar ao incômodo, inescrutável aliado.
E MUITO embora a cúpula militar tenda a se alinhar com os seus camaradas norte-coreanos - o que remonta à Guerra da Coreia, quando tropas de ambos os países enfrentaram as tropas norte-americanas e seus aliados -, os líderes civis estariam perplexos e exasperados com as atitudes do vizinho que só servem para complicar a estratégia do governo chinês na Ásia e as suas aspirações ao reconhecimento internacional como uma potência promotora da estabilidade no sistema global. Quando o governo da Coreia do Sul responsabilizou o governo da Coreia do Norte pelo ataque à sua corveta, atribuiu-se a uma alta autoridade chinesa a declaração de que a investida tinha sido "muito infeliz"? Mas é de duvidar que o governo de Pequim faça um juízo desses em público. "China e Coreia do Norte são tão próximas quanto lábios e dentes", diz o professor Liu Jingyong, do Instituto de Estudos Internacionais da Universidade Tsinghua, ouvido pela nossa reportagem em Pequim. Ecoando, talvez, a visão mais ortodoxa dos círculos dirigentes chineses, ele critica a comunidade internacional por seguir uma política de "dois pesos e duas medidas" em relação às duas Coreias. Em Novembro do ano passado, quando um navio norte-coreano foi atingido em águas disputadas pelos dois países, lembra o acadêmico, Seul não se desculpou, mas nem por isso se falou em sanções diplomáticas contra o governo do presidente Lee Myung-bak.
NÃO É bem esse o problema imediato, de toda forma. Trata-se da escalada da crise na Península. As duas Coreias nunca deixaram de estar tecnicamente em guerra desde 1953. O que existe entre os dois países é apenas um armistício - e o governo dos EUA mantêm no Sul 29 mil soldados. A rotina das tensões na área não impediu nos anos recentes uma aproximação econômica mutuamente proveitosa. Pyongyang depende vitalmente da moeda forte que recebe por suas vendas ao vizinho e este tem 120 empresas no complexo industrial de Kaesong, na Coreia do Norte, onde emprega 45 mil trabalhadores locais.
POR MAIS que a eclosão de uma guerra seja improvável - a não ser que o irascível Kim Jong-il enlouqueça de vez -, o perigo de choques militares na fronteira comum não pode ser descartado. Aplica-se à crispação de parte a parte a proverbial analogia da faísca e do barril de pólvora.
ESSA visita de Jiabao a Seul parece ser a única concessão do governo chinês ao governo dos Estados Unidos da América (EUA), no caso. Em visita à Capital chinesa, no começo da semana, sintomaticamente em companhia do comandante da frota norte-americana no Pacífico, almirante Robert Willard, a secretária de Estado Norte-Americano, Hillary Clinton, insistiu com o presidente chinês Hu Jintao que o ultraje deveria ser punido com a aplicação de sanções contra a Coreia do Norte pelo Conselho de Segurança da ONU. O governo da China - que sustenta a ditadura feudal de Kim Jong-il -, não disse não, muito menos sim. Os porta-vozes chineses limitaram-se a informar que o país fará a "sua própria avaliação" do incidente e pediram "contenção" às partes.
E CONDUTA do governo chinês será crucial para o desenrolar do confronto entre as duas Coreias - e não apenas por terem os chineses poder de veto sobre as decisões do Conselho de Segurança da ONU. Peça-chave na região, a China mantém laços históricos e ideológicos com Pyongyang, mas também desenvolveu fortes relações econômicas e comerciais com Seul. No ano passado, apoiou a adoção de sanções à Coreia do Norte por seu programa nuclear. Fontes diplomáticas americanas afirmam ter indícios de dissensões na hierarquia chinesa em relação ao tratamento a dar ao incômodo, inescrutável aliado.
E MUITO embora a cúpula militar tenda a se alinhar com os seus camaradas norte-coreanos - o que remonta à Guerra da Coreia, quando tropas de ambos os países enfrentaram as tropas norte-americanas e seus aliados -, os líderes civis estariam perplexos e exasperados com as atitudes do vizinho que só servem para complicar a estratégia do governo chinês na Ásia e as suas aspirações ao reconhecimento internacional como uma potência promotora da estabilidade no sistema global. Quando o governo da Coreia do Sul responsabilizou o governo da Coreia do Norte pelo ataque à sua corveta, atribuiu-se a uma alta autoridade chinesa a declaração de que a investida tinha sido "muito infeliz"? Mas é de duvidar que o governo de Pequim faça um juízo desses em público. "China e Coreia do Norte são tão próximas quanto lábios e dentes", diz o professor Liu Jingyong, do Instituto de Estudos Internacionais da Universidade Tsinghua, ouvido pela nossa reportagem em Pequim. Ecoando, talvez, a visão mais ortodoxa dos círculos dirigentes chineses, ele critica a comunidade internacional por seguir uma política de "dois pesos e duas medidas" em relação às duas Coreias. Em Novembro do ano passado, quando um navio norte-coreano foi atingido em águas disputadas pelos dois países, lembra o acadêmico, Seul não se desculpou, mas nem por isso se falou em sanções diplomáticas contra o governo do presidente Lee Myung-bak.
NÃO É bem esse o problema imediato, de toda forma. Trata-se da escalada da crise na Península. As duas Coreias nunca deixaram de estar tecnicamente em guerra desde 1953. O que existe entre os dois países é apenas um armistício - e o governo dos EUA mantêm no Sul 29 mil soldados. A rotina das tensões na área não impediu nos anos recentes uma aproximação econômica mutuamente proveitosa. Pyongyang depende vitalmente da moeda forte que recebe por suas vendas ao vizinho e este tem 120 empresas no complexo industrial de Kaesong, na Coreia do Norte, onde emprega 45 mil trabalhadores locais.
POR MAIS que a eclosão de uma guerra seja improvável - a não ser que o irascível Kim Jong-il enlouqueça de vez -, o perigo de choques militares na fronteira comum não pode ser descartado. Aplica-se à crispação de parte a parte a proverbial analogia da faísca e do barril de pólvora.
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