Fumaças
ESSA
Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre as ligações do contraventor
Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, com agentes públicos e privados
nasceu da conjunção dos interesses contraditórios do Partido dos Trabalhadores (PT),
do Democratas (DEM) e do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). O
primeiro queria se desforrar do seu mais respeitado detrator no Congresso
Nacional, o senador por Goiás Demóstenes Torres (sem partido), ao se descobrir
que o implacável Catão estava atolado até o pescoço em negócios com o chefe da
batotagem naquele Estado da Região Centro-Oeste. Também queria - acicatado pelo
ex-presidente da República, Luiz Inácio da Silva (PT-SP) - vingar-se do
governador do Estado de Goiás, Marconi Perillo (PSDB-GO), por este ter tornado
público que alertara o então presidente da República (2003-10) para a compra de
votos de deputados federais em favor do seu governo antes que o escândalo
eclodisse, com o rótulo de "Mensalão"
(2003-05). E queria a investigação, por fim, para ter algo com que ofuscar o
julgamento dos delitos dos seus principais companheiros do petismo, previsto
para os próximos meses deste ano eleitoral. Dizem os cínicos que o máximo que
se pode esperar dos políticos é que os seus interesses coincidam com a vontade
geral da sociedade. Se assim é, está-se diante de um desses raros casos.
PARA
os democratas, por sua vez, era uma questão de sobrevivência ir a fundo na
apuração das malfeitorias do senador Demóstenes Torres, que se desligou do DEM
para não ser expulso, e uma demonstração de coerência com a sua conduta diante
de outros correligionários flagrados em lambanças. Além disso, achou uma bela
oportunidade para levar ao “pelourinho”
da CPMI outro suspeito de relações espúrias com Cachoeira, o governador do
Distrito Federal (DF), Agnelo Queiroz (PT-DF). Já o que abriu o apetite do PSDB
pelo inquérito foi a chance de atingir o governo federal pela interposta pessoa
jurídica da Construtora Delta, detentora de R$ 3,6 bilhões - muito mais do que
qualquer outra do ramo - em contratos de obras do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC), a menina dos olhos do governo Luiz Inácio das Silva e da
gestora do programa, a então ministra-chefe da Casa Civil da Presidência da
República (2005-10), Dilma Wana Rousseff (PT-RS), que o ex-presidente da
República guindou à sua sucessão. A Construtora Delta, uma empresa tentacular
com serviços em 23 Estados da Federação e no DF, tinha uma alentada folha
corrida no Tribunal de Contas da União (TCU) e na Controladoria-Geral da União
(CGU) antes que as gravações do Departamento de Polícia Federal (DPF)
descortinassem a sua rentável proximidade com o chamado Esquema Cachoeira.
PORÉM,
não se quer dizer com isso que todos os 340 deputados federais e 67 senadores
que subscreveram o pedido de criação da CPMI - um número impressionante, vindo
de onde veio - foram movidos por razões menos limpas do que a da busca da
verdade no que parece ser um arranha-céu de corrupção com andares inteiros
compartilhados pelos Poderes da República, delinquentes profissionais e
empresas associadas a uns e outros. Mas não resta dúvida de que o cálculo
político foi o que mais pesou na decisão de recorrer à mais poderosa ferramenta
de investigação ao alcance do Poder Legislativo - para bem do interesse público.
Aliás, não passa dia sem que vazem novas evidências de que são mais estreitos,
até do que parecia inicialmente, os vínculos entre o bicheiro Cachoeira, o
governador Perillo, o senador Demóstenes e a construtora Delta. Já na esfera
política chamam a atenção os fortes sinais de que o PT não recuou propriamente
da proposta do inquérito ao se dar conta, segundo o noticiário, de que os seus
perigos potenciais para o governo Rousseff (2011-14) seriam maiores do que os
ganhos visados pelo partido. Essa posição foi defendida, pelo menos em público,
apenas por um punhado de seus parlamentares.
QUEM
não esconde a ojeriza à "CPMI do PT",
alegando os riscos imponderáveis que cria para o governo, são os caciques do Partido
do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Não deixa de ser verdade, mas é
lícito supor que o governo que têm em mente - sabendo que a investigação
mergulhará nas operações da Construtora Delta - é o do correligionário e
governador do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral Filho (PMDB-RJ), amigo
íntimo do dono da Construtora Delta, Fernando Cavendish.
JÁ
em 2009, Cavendish se jactou de como é fácil ganhar licitações, subornando
políticos. No primeiro mandato (2006-10) do governador Sergio Cabral Filho, o Tesouro
do Estado do Rio de Janeiro repassou à empresa de Cavendish R$ 1,1 bilhão, dos
quais R$ 148 milhões referentes a contratos sem qualquer processo de licitação
pública. No atual segundo mandato (2011-14) de Sergio Cabral Filho, já foram
outros R$ 582 milhões. Na última Terça-feira, 17, Cabral Filho nomeou uma
comissão de sindicância para auditar os contratos com a construtora Delta.
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