Associação inescrupulosa
A
REPORTAGEM de O GLOBO levanta o que,
aparentemente, é a ponta do véu que encobre as atividades criminosas do
contraventor goiano, Carlinhos Cachoeira, e demonstra que a impunidade de que
até agora ele tem desfrutado certamente se deve às relações políticas que
mantém com agentes públicos importantes em todos os níveis de governo e do
Departamento de Polícia Federal (DPF), além de empresários que o auxiliam na
tarefa da lavagem de dinheiro. Revela a reportagem que, além do dinheiro vivo,
outra importante moeda de troca de Cachoeira com as autoridades que o beneficiam
e protegem são informações policiais sigilosas que lhe são vazadas por uma
ampla rede de agentes que certamente não trabalham para ele de graça.
DESDE
o último dia 29 de Fevereiro Carlinhos Cachoeira é prisioneiro do DPF,
indiciado com mais 81 pessoas, acusado de crimes como corrupção ativa e
passiva, falsidade ideológica, exploração de jogo de azar - tudo apurado pela
Operação Monte Carlo, que desarticulou a quadrilha que explorava caça-níqueis no
Estado de Goiás. Grande proprietário de terras e de empresas beneficiadas por
vantagens indevidas, obtidas por meio de seus contatos na política, Cachoeira,
como ficou demonstrado pelos grampos telefônicos do DPF, exerceu influência
importante nos negócios do governo do Distrito Federal (DF) e, mais importante,
nos domínios do governo de Goiás, por intermédio da chefe de gabinete, Eliane
Pinheiro, que se demitiu do cargo. Apesar de o governador Marconi Perillo
(PSDB) negar que tivesse conhecimento da relação de sua funcionária de
confiança com o contraventor, as investigações do DPF indicam que Cachoeira
influenciou a nomeação dos ocupantes de vários cargos públicos em Goiás.
ESSE
sucesso de Carlinhos Cachoeira nas tarefas de ampliar seu elenco de cúmplices e
de prosperar em seus negócios escusos só foi possível pela associação
inescrupulosa entre o que é público e o que é privado. Esse nefasto tipo de
lassidão moral se expressa na desculpa hipócrita de que não é possível
administrar a coisa pública com base em "moralismos rígidos e inócuos" e de que é plenamente justificável
algum nível de tolerância com os malfeitos para manter a máquina do governo em
bom funcionamento. Recentemente, matéria jornalística divulgada por uma
emissora de televisão chocou a Nação com a exposição do comportamento cínico de
empresários e seus prepostos que ofereciam propina a quem pensavam ser um
agente público com o argumento de que se trata de uma "prática normal" e até mesmo de uma
imposição da "ética do mercado".
MUITO
embora esta não seja uma postura, pelas razões óbvias, abertamente assumida, ela
inspira o comportamento de governantes que se vangloriam de, com paciência e
habilidade, em nome do mais elevado interesse público, terem descoberto a
fórmula infalível da governabilidade. É óbvio que os exemplos que vêm de cima,
mesmo quando apenas inconscientemente percebidos, têm grande poder de
influenciar, para o bem ou para o mal, o comportamento de uma sociedade. Até
para fornecer, no caso de contaminação, desculpas para desvios de conduta. E
esta talvez seja uma das explicações para o fato de que, como nunca antes na
história deste país, se tende hoje a acreditar que a corrupção é algo
inevitavelmente inerente ao trato da coisa pública.
ESSAS
revelações das ligações de Carlinhos Cachoeira com políticos e funcionários
públicos ajudam a explicar como o banqueiro do jogo do bicho em Goiás conseguiu
prosperar em suas atividades ilícitas e permanecer impune por tanto tempo. A
seu modo, Cachoeira e todos os demais empresários sem escrúpulos que gravitam
em torno dos poderes públicos em todo o País são parceiros do pacto de poder
que domina boa parte da governança brasileira em todos os níveis. E a tendência
natural de parceiros é protegerem-se mutuamente. Pelo menos até que a casa
caia.
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