Pra valer a lei
O CÓDIGO Penal Brasileiro (CPB) ainda
hoje preserva, praticamente inalterado, um conjunto de leis elaboradas para o
país fazer frente a problemas da criminalidade de mais de sete, oito décadas
atrás. É um corpo legal com prescrições punitivas visivelmente anacrônicas em
diversos capítulos. Remonta a uma época em que a sociedade era reflexo de um
caldo de cultura bem distinto do de hoje.
SOMENTE para citar exemplos
contemporâneos, neste CPB não havia ainda a influência da TV, o narcotráfico
não tinha lugar no topo das preocupações sociais, os escândalos na
administração pública não se sucediam nesta onda que hoje banaliza as ações de
avanço sobre o patrimônio público, o perfil do crime organizado, até com
ramificações internacionais, não alcançara os atuais níveis de sofisticação e a
internet soaria como delírio de quem se atrevesse a prever a revolução nas
comunicações mundiais que a web promoveu nas últimas duas décadas.
DESDE modo uma reforma do CP, portanto,
é algo que se impõe como crucial para adaptar as leis a uma nova realidade do
país. E, após iniciativas que não avançaram ao longo dos anos, acena-se agora
com um efetivo movimento de revisão. A comissão criada ano passado pelo Senado
Federal para elaborar o anteprojeto da nova configuração do código deve
entregar as propostas até o final do próximo mês de Maio.
E EM pouco mais de seis meses de
trabalho, o grupo, formado por 15 juristas, elabora um documento que deverá
mudar bastante a maneira como o país lidará com questões sobre as quais a
sociedade exige respostas mais eficazes. É impossível adiantar do que
resultará, após a aprovação no Congresso Nacional, o conjunto de propostas dos
juristas. Mas sem sombra de dúvida haverá algum endurecimento da lei. É
fundamental que assim seja.
ALGUNS pontos já examinados pela
comissão não deverão ser objeto de grandes dissensões. Caso, por exemplo, da
criminalização do jogo do bicho, da elaboração de capítulos para tratar
especificamente do crime de formação de milícias, a qualificação de homicídios
praticados por preconceito étnico ou sexual, o aumento do tempo mínimo de
prisão para a concessão do benefício de progressão de penas. Outros,
previsivelmente, entram na cota de temas polêmicos, como a delimitação de
situações em que poderão ser permitidos o aborto e a eutanásia. Pelo menos no
aborto, o Supremo Tribunal Federal (STF) já definiu a descriminalização dos
casos envolvendo anencéfalos (fetos com má formação do cérebro).
TRATADOS hoje no âmbito atenuador da
Lei da Improbidade, terreno da Justiça Cível, sem penas que prevejam a prisão
do servidor público, o crime de enriquecimento ilícito de agente público também
merece ser tipificado. Igualmente, passarão a ser tratados no novo CPB a
corrupção, os crimes contra a administração pública e contra o sistema
financeiro, providência imperiosa para dotar o poder público de instrumentos
institucionais eficientes na faxina ética do país.
TAL documento da comissão será, por
óbvio, apenas um roteiro para a discussão de um corpo legal que precisa ser
adaptado e modernizado para fazer frente às novas demandas. Mas, qualquer que
seja o resultado da reforma, o fundamental é que as leis sejam efetivamente
aplicadas. Este é um princípio inescapável para normais legais terem de fato
eficácia no combate à criminalidade de qualquer espécie.
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