Clube de vassalos?
NA noite da última Quarta-feira, 08, ao rejeitar o recurso impetrado pelo governo da Itália contra a decisão do presidente Luiz Inácio da Silva (PT-SP) de não extraditar o terrorista italiano Cesare Battisti, tomada no último dia de seu governo (2003-10), o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) encerrou - em sessão tumultuada - um caso que começou como um problema político, evoluiu gerando tensões diplomáticas e culminou com interpretações polêmicas de conceitos jurídicos tradicionais. O julgamento foi marcado por acaloradas discussões entre os ministros Joaquim Barbosa e Luiz Fux e o relator do processo, Gilmar Mendes e terminou em bate-boca depois que este último afirmou que os colegas favoráveis à libertação de Battisti estavam ignorando a Constituição Federal do Brasil (CFB), reduzindo o papel do STF a "uma atividade lítero-poético-recreativa".
ESTE caso começou em 2008 quando o então ministro de Estado da Justiça, Tarso Genro (PT-RS), contrariando parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) e decisão do Comitê Nacional para os Refugiados (CNR), concedeu a Battisti o status de refugiado político, evitando com isso sua extradição. Battisti fez parte de um grupo terrorista de esquerda, nos anos 1970, fugiu para a França e, depois, para o Brasil. Julgado à revelia, foi condenado pela Justiça italiana à prisão perpétua por participação em quatro assassinatos. Ele negou a autoria dos crimes e disse que sofreu perseguição política.
O MINISTÉRIO de Assuntos Estrangeiros da Itália acusou o Brasil de não cumprir o tratado de extradição firmado com a Itália em 1989 e recorreu ao STF, Classificando a iniciativa de Genro como "grave e ofensiva". Em vez de dar uma solução clara e objetiva ao caso, aquela Corte tomou uma decisão ambígua, autorizando a extradição, mas deixando a última palavra para o presidente da República.
ENTÃO, alegando que essa decisão era confusa, o governo italiano entrou com pedido de esclarecimento, perguntando ao STF se o presidente da República teria liberdade total para dar a "última palavra". O então relator do processo, ministro Eros Grau, admitiu que os poderes do presidente da República não eram "discricionários" e que ele não poderia ignorar o tratado de extradição. Pressionado pelo ministro da Justiça, por um lado, e pelo governo da Itália, por outro, o presidente Luiz Inácio da Silva deixou claro que concederia asilo a Battisti, mas adiou a decisão ao máximo e solicitou à Advocacia-Geral da União (AGU) um parecer que fundamentasse sua decisão. Cumprindo a determinação, o órgão preparou um parecer político, com roupagem jurídica, dando ao presidente da República as justificativas "técnicas" de que precisava para decidir pela permanência de Battisti no Brasil, com o status de imigrante. Isso levou a chancelaria italiana a entrar com o recurso que acabou de ser negado pelo STF esta semana, por 6 votos a 3. O julgamento encerrou o caso na Justiça brasileira, mas o imbróglio jurídico, político e diplomático vai continuar, pois o governo da Itália já anunciou que levará o caso para a Corte Internacional de Justiça (IJC), em Haia.
ESSA decisão do STF causou perplexidade por dois motivos. O primeiro é de caráter político. Os advogados de Battisti alegaram que ele sofreria risco de "discriminação e perseguição política", caso fosse extraditado. Seis ministros da Corte acolheram o argumento, esquecendo-se de que a Itália vive há mais de seis décadas em plena normalidade política e constitucional. O segundo motivo é de caráter jurídico. Os mesmos ministros alegaram que a extradição é "ato de soberania nacional e de política externa, conduzida pelo chefe do Executivo". Com isso, eles consagraram o desrespeito flagrante ao tratado de extradição que o Brasil firmou, soberanamente, com a Itália, há 22 anos.
EM vez de agir como Corte constitucional, como é seu papel, o STF infelizmente se deixou levar por pressões políticas. Elas foram tão fortes que um dos ministros que votaram a favor da extradição de Battisti, em 2009, mudou de opinião, no julgamento encerrado na última Quarta-feira. Ao longo de sua história, o STF deu importantes contribuições para o prevalecimento do Estado de Direito e para a segurança jurídica. Infelizmente, desta vez aquela Corte não se inspirou nessas contribuições, no julgamento do facínora Cesare Battisti.
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