Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

terça-feira, maio 18, 2010

Noção esdrúxula

UM DOS crônicos problemas da legislação eleitoral n Brasil é o de separar o joio do trigo no que se refere aos chamados micropartidos políticos. Vários deles representam, de fato, correntes de pensamento da sociedade, minoritárias por certo, mas que merecem atenção do público. Mas a maioria não representa coisa alguma, a não ser interesses pessoais, de caráter financeiro, dos seus "donos", em geral figuras públicas inexpressivas ou marcadas por ridículas excentricidades. A cada nova eleição elas ressurgem, lançando-se à Presidência da República, à governança de Estados ou à Prefeitura de municípios, exibindo as mesmas propostas mirabolantes ao som dos mesmos jingles.

SUPOR que haveria possibilidade de ter representação de todas as correntes políticas da sociedade nos 27 partidos existentes é o embuste implícito no nosso sistema eleitoral. A pluralidade de ideias, de princípios e de interesses, a ser cotejada pelo eleitorado, é um desideratum das democracias, mas dificilmente se encontrará no mundo tamanha multiplicidade de ofertas aos eleitores. Por que chegamos a esta proliferação, e como ela se mantém, se ninguém - com exceção dos que com isso se locupletam -, acredita que esse magote de siglas contribua para o aperfeiçoamento de nossa democracia representativa? Uma das causas do problema é a programação eleitoral gratuita no Rádio e na Televisão.

PARA o deputado federal João Almeida (PSDB-BA), líder do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) na Câmara dos Deputados e relator, em 1997, da lei que estabeleceu os critérios do acesso ao horário eleitoral, a Lei Eleitoral foi feita na suposição de que haveria hoje apenas cinco ou seis partidos no País. Disse o deputado, à nossa reportagem ainda a pouco que "o problema foi a derrubada, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), da cláusula de desempenho". Referia-se ele à regra, contida na Lei dos Partidos Políticos, que restringia a atuação das pequenas legendas a partir de 2006 - aquelas que não obtivessem 5% dos votos para a Câmara dos Deputados, distribuídos por um mínimo de nove Estados, perderiam acesso a 99% dos recursos do Fundo Partidário e teriam apenas dois minutos na televisão por semestre. A regra teria chegado a estimular a fusão de pequenos partidos, mas essa tendência de enxugamento foi interrompida no final de 2006, quando o STF considerou inconstitucional a cláusula de desempenho.

OS PARTIDOS nanicos hoje ocupam 27% do horário eleitoral gratuito e custam aos cofres públicos nada menos do que R$ 34 milhões, pois o horário só é "gratuito" para os candidatos e seus partidos. Trata-se de um horário subsidiado pelo Estado, através de abatimentos nos impostos que as emissoras de rádio e de TV teriam de pagar, para compensar as receitas de publicidade que elas deixam de auferir nesses períodos. Segundo a Secretária de Receita Federal do Brasil (SRF), em 2010 essa renúncia fiscal importará em R$ 851 milhões, correspondentes a quase 111 horas de propaganda no primeiro semestre durante a campanha. A cada minuto de propaganda política a Receita Federal (RF) deixará de arrecadar R$ 128 mil em impostos.

PORÉM, em razão da profusão de nanicos, a eleição de 2010 deverá ter 13 partidos com candidatos a presidente da República, seis deles sem um único representante na Câmara dos Deputados. Além do subsídio indireto do horário gratuito, eles recebem verbas do Fundo Partidário. Dos que pretendem disputar a Presidência, 10 receberam, em conjunto, no ano passado, R$ 8 milhões. Certamente, o aspecto mais imoral desse sistema é a transformação de algumas dessas siglas em meras "legendas de aluguel", prontas a colocar seu tempo de TV e rádio a serviço de quem melhor lhes pague. E, graças a uma esdrúxula noção de "isonomia", abrigada na legislação, os candidatos dessas siglas, sem qualquer representatividade, têm que participar dos debates eleitorais nas emissoras de Rádio e TV, prejudicando ainda mais esses encontros, que deveriam ser os momentos mais esclarecedores das campanhas. Às vezes, o público se diverte com a histrionice do que presencia. Não há dúvida, porém, que profissionais do humor contratados para tais programas ficariam bem mais em conta.