Antagonismo comercial
UMA MISTURA de dois assuntos foi o grande truque embutido no discurso do presidente da República da França, Nicolas Sarkozy, ainda na abertura da reunião do Fórum Econômico Mundial, em Davos, semana passada. “Se vamos reformar as finanças do mundo, por que não aproveitar a ocasião para erguer novas barreiras comerciais?”, indagou o líder político francês. O primeiro componente da mistura - a imposição de maior disciplina às instituições financeiras - interessa claramente ao governo do Brasil. Além de apoiar a reforma bancária, o governo brasileiro tem alardeado a solidez do sistema financeiro nacional. O segundo componente - a adição de cláusulas sociais e ambientais às normas de comércio - tem sido rejeitado pela diplomacia brasileira. É uma questão de prudência: a inclusão daquelas normas pode proporcionar novas armas aos defensores do protecionismo.
O FALATÓRIO de Sarkozy ganha importância por causa das posições assumidas pelo governo norte-americano. O presidente da República dos Estados Unidos da América (EUA), Barack Houssein Obama, parece disposto a cumprir os compromissos assumidos durante a campanha eleitoral com sindicatos e setores protecionistas. Tem-se discutido em Washington (DC) a inclusão de critérios trabalhistas e ambientais nas normas do comércio internacional, embora propostas desse tipo ainda não tenham chegado à Organização Mundial do Comércio (OMC). O novo negociador norte-americano, Ron Kirk, tentou reabrir questões já resolvidas na Rodada Doha, mas os negociadores do Brasil e de outros países se opuseram. Mas novas tentativas de mudar o rumo das discussões poderão ocorrer. A fala de Sarkozy parece reforçar essa possibilidade.
O LÍDER político francês fez em seu discurso uma crítica ampla da globalização. Segundo Sarkozy, a integração mundial das economias tem sido baseada numa desregulamentação sem critérios. No setor financeiro, a indisciplina favoreceu a busca de lucros imediatos num cenário de risco crescente. Isso resultou na bolha de crédito, na quebradeira de instituições financeiras e na recessão global. Mas um processo parecido ocorreu nas últimas décadas no comércio internacional, segundo Sarkozy. A liberação geral - este é o seu argumento - facilitou várias formas de dumping, entre eles o social, o ambiental e o cambial.
SARCOZY mirou a região da Ásia-Pacífico, isto é, a China e outros países exportadores de mercadorias de baixo custo, produzidas num regime de escassa regulação trabalhista, com políticas sociais limitadas e sem grandes cuidados ambientais. Também os produtores brasileiros protestam contra esse tipo de concorrência. No Brasil e em vários países ocidentais, medidas têm sido tomadas para conter o ingresso de produtos comercializados em condições que configuram competição desleal. Os chineses têm reagido, dizendo-se vítimas de políticas protecionistas, e em alguns casos provavelmente estão certos.
PORÉM, a adoção de critérios trabalhistas, ambientais e sanitários para a regulação do comércio envolve riscos. O governo brasileiro tem motivos de peso para encarar com reservas esse tipo de proposta, embora a economia nacional seja afetada pela competição dos produtores de mercadorias baratas. Seria ingenuidade monumental imaginar os sindicalistas europeus ou norte-americanos preocupados com as condições trabalhistas no Brasil ou em outros países em desenvolvimento. Os sindicalistas do mundo rico têm-se alinhado com os grupos mais protecionistas e são pelo menos tão ativos na defesa de seus interesses quanto os agricultores subsidiados.
NOSSO País dispõe de uma legislação trabalhista ampla, complexa e em nada inferior à de muitos países ricos. Empresários brasileiros queixam-se, com frequência, de obrigações que não existem em muitas economias de peso. Portanto, pode-se argumentar, os brasileiros não deveriam temer a inclusão de critérios trabalhistas nas normas internacionais de comércio. Pode ser, mas a mistura é certamente perigosa e o mau uso desse instrumento por governos protecionistas poderia resultar em desemprego no Brasil. Quanto à preservação ambiental, deve ser uma prioridade para os brasileiros, em qualquer hipótese. Além do mais, as preocupações dos consumidores com questões ambientais já influenciam o comércio, e nenhum produtor brasileiro pode menosprezar esse fato. Mas a formalização de regras internacionais envolve consequências mais complexas e é assunto para ser tratado com muita cautela
O FALATÓRIO de Sarkozy ganha importância por causa das posições assumidas pelo governo norte-americano. O presidente da República dos Estados Unidos da América (EUA), Barack Houssein Obama, parece disposto a cumprir os compromissos assumidos durante a campanha eleitoral com sindicatos e setores protecionistas. Tem-se discutido em Washington (DC) a inclusão de critérios trabalhistas e ambientais nas normas do comércio internacional, embora propostas desse tipo ainda não tenham chegado à Organização Mundial do Comércio (OMC). O novo negociador norte-americano, Ron Kirk, tentou reabrir questões já resolvidas na Rodada Doha, mas os negociadores do Brasil e de outros países se opuseram. Mas novas tentativas de mudar o rumo das discussões poderão ocorrer. A fala de Sarkozy parece reforçar essa possibilidade.
O LÍDER político francês fez em seu discurso uma crítica ampla da globalização. Segundo Sarkozy, a integração mundial das economias tem sido baseada numa desregulamentação sem critérios. No setor financeiro, a indisciplina favoreceu a busca de lucros imediatos num cenário de risco crescente. Isso resultou na bolha de crédito, na quebradeira de instituições financeiras e na recessão global. Mas um processo parecido ocorreu nas últimas décadas no comércio internacional, segundo Sarkozy. A liberação geral - este é o seu argumento - facilitou várias formas de dumping, entre eles o social, o ambiental e o cambial.
SARCOZY mirou a região da Ásia-Pacífico, isto é, a China e outros países exportadores de mercadorias de baixo custo, produzidas num regime de escassa regulação trabalhista, com políticas sociais limitadas e sem grandes cuidados ambientais. Também os produtores brasileiros protestam contra esse tipo de concorrência. No Brasil e em vários países ocidentais, medidas têm sido tomadas para conter o ingresso de produtos comercializados em condições que configuram competição desleal. Os chineses têm reagido, dizendo-se vítimas de políticas protecionistas, e em alguns casos provavelmente estão certos.
PORÉM, a adoção de critérios trabalhistas, ambientais e sanitários para a regulação do comércio envolve riscos. O governo brasileiro tem motivos de peso para encarar com reservas esse tipo de proposta, embora a economia nacional seja afetada pela competição dos produtores de mercadorias baratas. Seria ingenuidade monumental imaginar os sindicalistas europeus ou norte-americanos preocupados com as condições trabalhistas no Brasil ou em outros países em desenvolvimento. Os sindicalistas do mundo rico têm-se alinhado com os grupos mais protecionistas e são pelo menos tão ativos na defesa de seus interesses quanto os agricultores subsidiados.
NOSSO País dispõe de uma legislação trabalhista ampla, complexa e em nada inferior à de muitos países ricos. Empresários brasileiros queixam-se, com frequência, de obrigações que não existem em muitas economias de peso. Portanto, pode-se argumentar, os brasileiros não deveriam temer a inclusão de critérios trabalhistas nas normas internacionais de comércio. Pode ser, mas a mistura é certamente perigosa e o mau uso desse instrumento por governos protecionistas poderia resultar em desemprego no Brasil. Quanto à preservação ambiental, deve ser uma prioridade para os brasileiros, em qualquer hipótese. Além do mais, as preocupações dos consumidores com questões ambientais já influenciam o comércio, e nenhum produtor brasileiro pode menosprezar esse fato. Mas a formalização de regras internacionais envolve consequências mais complexas e é assunto para ser tratado com muita cautela
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