Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quarta-feira, fevereiro 03, 2010

De braços abertos para a corrupção

CONCEDA-SE ao vosso presidente da República, Luiz Inácio da Silva (PT-SP), o benefício da dúvida e aceitem-se os números que ele invocou para justificar o veto ao trecho da Lei Orçamentária de 2010 que cortaria os recursos previstos este ano para três empreendimentos da Companhia Petrobrás S/A, cuja paralisação o Tribunal de Contas da União (TCU) recomendou devido a irregularidades "graves" - entre elas, superfaturamento, sobrepreço, critérios inadequados de medição e gestão temerária. Trata-se da construção da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, da modernização da Refinaria Presidente Vargas, no Estado do Paraná, e da implantação do terminal portuário de Barra do Riacho, no Estado do Espírito Santo. As duas refinarias fazem parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Juntas, essas obras deverão receber no exercício R$ 13,1 bilhões. Em 2009, o Congresso Nacional não só se recusou a tirar essas obras da "lista negra", como acrescentou-lhe outra ainda, a do complexo petroquímico do Rio de Janeiro.

“O-CARA!”, ao justificar o veto, alegou que a interrupção dos trabalhos acarretaria "prejuízo imediato de aproximadamente 25 mil empregos e custos mensais da ordem de R$ 268 milhões". Além disso, o atraso resultante privaria o Fisco brasileiro do ingresso de R$ 577 milhões mensais. Pode ser pura verdade, mas atribuir as perdas ao TCU é uma deturpação grosseira dos fatos. Equivale a culpar o médico pela enfermidade que diagnosticou. Ou responsabilizar a polícia pelos gastos do setor público no combate à criminalidade. O que prejudica o País, evidentemente, não é o TCU - que o presidente gostaria de emascular -, mas a incapacidade gerencial que se revela na elaboração de projetos eivados de ilicitudes. Isso, numa hipótese caridosa, porque a prática do sobrepreço, por exemplo, não resulta de má administração, mas de más intenções. A combinação de incompetência e roubalheira é proverbial na relação do Estado com os executantes de grandes obras no País (e provedores de grandes contribuições eleitorais).

CERTAMENTE seria bem mais simples extinguir o TCU de uma vez por todas se o órgão desse de ombros para as consequências lesivas ao interesse público de procedimentos absurdos, que não se tornam menos absurdos por serem corriqueiros. É comum a realização de licitações com base em apenas um memorial descritivo da empreitada em questão, desacompanhado do projeto executivo - uma estrada, digamos, sem o detalhamento do seu traçado. É o que permite aos vitoriosos, mal secada a tinta do contrato firmado com a administração, ornamentá-lo com os chamados termos aditivos que encarecerão o custo da obra em até 25% (quando esse limite legal não for transgredido mediante uma esperteza ou outra). Apenas a mudança nas exigências em processos licitatórios decerto eliminaria metade das mamatas que se seguirão. À falta disso, o remédio de última instância é parar o trabalho até o saneamento ou a reparação das irregularidades. Essa posição é adotada pela própria Controladoria-Geral da União (CGU).

A ESCALA do desperdício - para não dizer outra coisa -, naturalmente, tende a ser compatível com o porte da obra. No caso da Refinaria Abreu e Lima, auditoria do TCU identificou indícios de superfaturamento de R$ 96 milhões e sobrepreço (valores acima dos praticados no mercado) de R$ 121 milhões nos serviços de terraplenagem. A Petrobrás nega que tenha havido irregularidades. Segundo a diretoria da companhia pública, "existem diferenças nos parâmetros" utilizados por ela e o tribunal. Interessante a alegação. Leva a crer que a terraplenagem da área onde será erguida uma refinaria é intrinsecamente diferente do mesmo trabalho para a construção de um hospital ou de um estádio. Esses aborrecidos detalhes, de todo modo, não contam para “O-CARA!”. O que deve lhe dar hipertensão são os controles institucionais do gasto público - ainda mais quando podem interferir com o grande investimento que programou para este ano: fazer da, ainda, ministra Dilma (“Pinóquio”) Rousseff (PT-RS) a sua sucessora.

ESSA campanha “CARA!” contra o TCU é tão ostensiva como a que faz para a ministra-candidata. Em agosto passado ele chegou a dizer que o órgão "quase governa o País". Segundo a sua ética de resultados, "quando está tudo resolvido (sic), vem o TCU, faz investigação e diz que tem sobrepreço". A intromissão, portanto, deve ser tolhida ou os seus efeitos revertidos com uma canetada. Entre a conclusão de obras a que custo for e a moralidade pública, o vosso presidente da República, Luiz Inácio da Silva (2003-10), de há muito fez a sua escolha.