Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sexta-feira, novembro 06, 2009

Populismo autocrata

O GENERAL-presidente da República bolivariana da Venezuela, Hugo Chávez é um tipo rudimentar. O vosso presidente da República, Luiz Inácio da Silva (2003-10) não é. Chávez, que impôs ao seu país a reeleição ilimitada, diz não entender por que um presidente "que governa bem e tem 80% de aprovação" não pode disputar um terceiro mandato consecutivo, como se as regras da ordem democrática devessem variar conforme o desempenho dos governantes e os seus índices de popularidade. Luiz Inácio da Silva (PT-SP), que, em parte por convicção, em parte por um cálculo do custo-benefício da aventura reeleitoral, recusou a possibilidade, acredita que pode chegar aonde quer por outros meios, mais sofisticados do que é capaz de conceber a mentalidade tosca do caudilho de Caracas. Trata-se da criação de um novo e presumivelmente duradouro bloco de controle da máquina estatal, da manipulação desabrida de um sistema político desvitalizado e da exploração incessante do culto à personalidade do líder, para que a adulação da massa legitime os seus desmandos e intimide a Oposição.

ESSA é a construção do que o ex-presidente da República (1995-2002), Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP), denomina de "autoritarismo popular" - um acúmulo de transgressões e desvios que "vai minando o espírito da democracia constitucional", como adverte no artigo intitulado “Para onde vamos?”, estampado em sua coluna mensal no último Domingo, 01, distribuída pela AGÊNCIA ESTADO e pela AGÊNCIA O GLOBO, e publicado em pelo menos três dos principais jornais do País: O Estado de São Paulo, O GLOBO e Zero Hora. Esse processo de erosão das instituições e procedimentos é tão mais temível quanto menos ostensivo e menos expresso em atos de violência política crassa, à maneira do que Chávez faz na Venezuela para quebrar a espinha da democracia no seu país. A lógica dos objetivos não difere - "a do poder sem limites", aponta Fernando Henrique -, mas o método, no Brasil do lullismo, é insidioso. Por isso mesmo, "pode levar o País, devagarzinho, quase sem que se perceba, a moldar-se a um estilo de política e a uma forma de relacionamento entre Estado, economia e sociedade que pouco têm que ver com nossos ideais democráticos".

BEM no interior do governo, “O-CARA” aninha uma burocracia sindical que se apropria sistematicamente do mando dos gigantescos fundos de pensão das estatais, os quais, por sua vez, têm assento nos conselhos das mais poderosas empresas brasileiras. Forma-se assim uma intrincada trama de interesses que se respaldam reciprocamente, não raro em parceria com empresários que conhecem o caminho das pedras - "nossos vorazes, mas ingênuos capitalistas", diz o articulista Fernando Henrique -, fundindo-se "nos altos-fornos do Tesouro". Isso dá ao “CARA” um poder formidável sobre o Estado nacional que extrapola de longe as suas atribuições constitucionais. É uma espécie de volta, em trajes civis, ao regime dos generais. No trato com o Congresso, “O-CARA” faz os pactos que lhe convierem com tantos Judas quantos estiverem dispostos a servi-lo para se servirem dos despojos da administração federal, enquanto a Oposição balbucia objeções que dão a medida de sua irrelevância. "Parece mais confortável", acusa o articulista e ex-presidente da República, "fazer de conta que tudo vai bem e esquecer as transgressões cotidianas, o discricionarismo das decisões, o atropelo, se não da lei, dos bons costumes". Mais confortável porque mais seguro. São raros os políticos oposicionistas que não se deixam acoelhar pelas pesquisas de opinião que mantêm “O-CARA” nas nuvens e que o aparato de comunicação do Palácio do Planalto, sob a sua batuta, não cessa de exacerbar - daí a pertinência do termo "culto à personalidade". Desde a derrota eleitoral de 2006, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), do qual o sociólogo, intelectual e político Fernando Henrique Cardoso é fundador e presidente de Honra, praticamente desistiu de expor as responsabilidades pessoais do adversário vitorioso pela autocracia em marcha no País. Os pré-candidatos presidenciais peessedebistas, o governador do Estado de São Paulo, José Serra (PSDB-SP), e o governador do Estado de Minas Gerais, Aécio Neves da Cunha (PSDB-MG), por exemplo, medem as palavras quando falam do “CARA”, decerto receando que ele possa fazê-las se voltarem contra eles mesmos junto ao eleitorado menos esclarecido que o venera. Mesmo na condenação à campanha antecipada de Dilma Pinóquio Rousseff (PT-RS), a Oposição parece comportar-se como se estivesse "cumprindo tabela".

LUIZ Inácio da Silva não precisa tomar emprestada a borduna de Chávez para ditar os modos e os caminhos da evolução da política nacional. "Partidos fracos, sindicatos fortes, fundos de pensão convergindo com os interesses de um partido no governo e para eles atraindo sócios privados privilegiados", descreve Fernando Henrique, "eis o bloco sobre o qual o subperonismo lullista se sustentará no futuro, se ganhar as eleições".