Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quarta-feira, novembro 04, 2009

A habilidade do Governo Obama

APÓS dois dias de negociações, a missão do Governo Norte-americano em Honduras, chefiada pelo secretário-assistente de Estado dos Estados Unidos da América (EUA) para Assuntos Hemisféricos, Thomas Shannon, que é o embaixador designado para o Brasil, conseguiu o que as organizações multilaterais, inclusive a Organização dos Estados Americanos (OEA), não obtiveram em quatro meses. O acordo mediado por Shannon e assinado pelos representantes do presidente de fato Roberto Micheletti e do presidente deposto Manuel Zelaya estabelece as bases para o retorno à democracia naquele país e, de tal forma, que nenhum dos lados poderá dizer que saiu vitorioso. Micheletti teve de admitir que a volta de Zelaya à presidência seja decidida pelo Congresso Nacional hondurenho - onde as probabilidades favorecem o presidente deposto - e não pela Suprema Corte - que provavelmente mandaria Zelaya para a cadeia. Mas tem a seu favor o fato de ter liderado um movimento que impediu que Zelaya violasse dispositivos pétreos da Constituição Federal, numa tentativa de permanecer no poder. Observe-se que os chamados "golpistas" agiram dentro da lei, até que os militares encarregados de cumprir o mandado de prisão emitido pela Suprema Corte contra Zelaya exorbitaram e o expulsaram do país.

ZELAYA, por sua vez, deverá ser reinvestido no cargo, mas apenas para concluir o seu mandato. Manterá suas funções cerimoniais, mas o poder de fato será exercido por um gabinete de união e conciliação nacional. Além disso, Zelaya foi obrigado a se comprometer a não tentar, de novo, mudar as cláusulas pétreas da constituição que proíbem a reeleição.

ESSE caso de Honduras mostra um dos melhores lados da política externa do presidente da República dos EUA, Barack Obama. Quando houve o golpe preventivo em Tegucigalpa, aplicado para evitar que o país se tornasse mais um satélite do bolivarianismo do caudilho Hugo Chávez, não faltou quem garantisse que governo dos Estados Unidos apoiaria o governo de fato. Mas o que a o governo norte-americano fez foi juntar-se a todos os países do Hemisfério na condenação da quebra da norma democrática. Depois, deu tempo e espaço para que a OEA e os países da região tentassem mediar o conflito. Só quando falharam todas as tentativas de mediação da OEA e se chegou a um impasse, o governo americano interveio. Com isso, Barack Obama demonstrou que apoia a ação das instituições multilaterais e que ficou no passado a época em que o governo dos EUA apoiava ditaduras de direita. Mas também deixou claro que usa os poderes de persuasão da superpotência, quando isso é necessário. Em linguagem diplomática, o embaixador Thomas Shannon explicou que o argumento decisivo para a obtenção do acordo foi "o reconhecimento que Honduras tem de ir para as eleições com o apoio da comunidade internacional e que a falta desse apoio jogaria o país ainda mais fundo na crise política". Na verdade, a diplomacia norte-americana jogou, com habilidade, porém com energia, com os dois lados em disputa. E obteve um bom acordo.

DE SEU lado, a diplomacia brasileira fez o contrário disso. Desde o início da crise, por inspiração do caudilho general Hugo Chávez, o governo brasileiro assumiu posições intransigentes contra o governo de fato e a favor do presidente deposto. Ao permitir que Manuel Zelaya ocupasse a embaixada em Tegucigalpa e dela fizesse o centro da agitação política contra o governo Micheletti, o governo brasileiro passou a interferir nos assuntos internos de Honduras, violando um dos princípios básicos da nossa política externa, que é a não-intervenção. Essa inabilidade inviabilizou a possibilidade de qualquer tentativa brasileira de liderar um processo de negociação.

NA ÚLTIMA Sexta-feira, 30, ao tomar conhecimento do fim do impasse em Honduras, o vosso presidente da República Luiz Inácio da Silva (PT-SP) afirmou que "o que aconteceu, na verdade, foi que Micheletti descobriu que não é possível governar contra a vontade da maioria". Na verdade, as últimas pesquisas de opinião mostram que os hondurenhos querem que Zelaya complete seu mandato, mas não votariam nele de novo. Quando fez tais declarações, “O-CARA” estava na Venezuela, em companhia do colega Chávez, de quem ouvira, pouco antes, que não entendia como um político com mais de 80% de aprovação não podia continuar governando o seu país. O autoritarismo do general Chávez o impede de ver que o que marca uma democracia é menos a repetição periódica das eleições do que a possibilidade da alternância no poder. Zelaya se deixou convencer pela pregação chavista e deu no que deu.