Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quinta-feira, novembro 26, 2009

De mãos vazias

DURANTE a peculiar entrevista à Imprensa, com o presidente da República dos Estados Unidos da América (EUA), Barack Houssein Obama, e com o presidente da República Popular da China, Hu Jintao - em que os jornalistas reunidos no Palácio do Povo, em Pequim, não podiam fazer perguntas -, o dirigente chinês contou ter ressaltado para o dirigente norte-americano que "dadas as diferenças de nossas condições nacionais, é apenas normal que os dois lados possam discordar em relação a certas questões". As diferenças são as que se podem esperar entre os interesses estratégicos da primeira potência mundial e do gigante que no próximo ano deverá se tornar a segunda economia mundial - com a agravante de ser a maior credora da outra. (A China detém pelo menos US$ 800 bilhões em títulos do Tesouro Nacional dos EUA.)

É NORMAL apenas, como diria Hu, que disso resulte uma intrincada relação em que as necessidades objetivas de cooperação recíproca, reconhecidas e obedecidas por ambas as partes, coexistem com nítidos desencontros nas suas prioridades geopolíticas e econômicas. Latentes ou explícitas, essas divergências podem ser mais robustas do que o decantado pragmatismo dos governantes chineses - e aparentemente infensas à diplomacia de charme do líder americano. Ainda assim, chamou a atenção a insistência do governo chinês em acentuar em público o que a distancia das intenções do governo norte-americano, enquanto Obama, por exemplo, temperava a sua defesa da liberdade e dos direitos humanos como valores universais com o endosso da tese cara aos chineses de que "cada país tem o direito de escolher o seu próprio caminho".

UMA OUTRA concessão de Obama foi a sua recusa, semanas atrás, de receber na Casa Branca o dalai-lama, líder político e espiritual do Tibete, o que deitaria a perder a sua visita inaugural à China antes mesmo que começasse, dada a inflexibilidade da concepção dos seus dirigentes de que qualquer contato com o tibetano constitui uma intromissão nos assuntos internos chineses. Já dificilmente se encontrará uma concessão aos EUA nas declarações de Hu e no comunicado conjunto do presidente chinês e do norte-americano. Hu ou se calou sobre as demandas de Obama ou afirmou seu desacordo com elas, decerto para justificar as suas aspirações à condição de superpotência - e, como tal, senhora de suas próprias decisões. As manifestações mais flagrantes dessa atitude envolveram os dois temas mais críticos para o governo dos EUA no seu relacionamento com o parceiro e rival: o governo do Irã e a política cambial chinesa.

BARACK Obama não conseguiu demover Hu de sua recusa à eventual adoção de novas sanções econômicas contra Teerã, caso fracassem os entendimentos sobre o programa nuclear iraniano, suspeito de se destinar à produção da bomba nuclear. É verdade que o governo do Irã é o segundo maior provedor de petróleo da China. Mas a Rússia, que também mantém vínculos econômicos estreitos com a República Islâmica, já deu a entender, por seu presidente Dmitri Medvedev, que poderá não vetar no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) a imposição de penas mais severas ao país. Na conferência de Imprensa sem perguntas - uma vinheta do repressivo regime chinês -, Obama disse que "o Irã tem a oportunidade de demonstrar suas intenções pacíficas, mas, se perdê-la, haverá consequências". Hu ignorou a advertência do hóspede, limitando-se a considerar "muito importante" que a questão se resolva por meio de "diálogo e negociações".

QUANTO à relutância chinesa em valorizar o renminbi, a moeda nacional, nem uma palavra. Graças à sua cotação mantida artificialmente baixa, a 6,83 por US$ 1, as exportações chinesas gozam de uma vantagem competitiva que a União Européia (UE), outros países asiáticos e especialmente os EUA - o principal mercado para o aluvião de produtos produzidos na China - consideram fonte de imensos desequilíbrios no comércio mundial. Mas o assunto nem sequer foi mencionado no comunicado conjunto assinado pelos dois líderes. E, na sua fala, tudo que Obama teve a dizer da posição chinesa foi que, em "declarações passadas", o governo chinês admitiu apoiar um sistema de câmbio flutuante, conforme as tendências do mercado. "O presidente não esperava que as águas se abrissem durante uma visita de menos de dois dias e meio", observou o porta-voz da Casa Branca, Robert Gibbs, para desmentir que Obama voltava de mãos vazias. Mas, enquanto não surgirem fatos novos que atenuem o contencioso sino-norte-americano, essa visão continuará a prevalecer.