Singela e crucial questão
LIDERADOS pelo presidente da República dos Estados Unidos da América (EUA), Barack Obama, e do presidente República Popular da China, Hu Jintao, líderes de 21 países que despejam na atmosfera terrestre 60% das substâncias responsáveis pelo aquecimento global decidiram no último dia 15, numa reunião em Cingapura, que a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, marcada para Dezembro em Copenhague, deverá terminar sem um novo tratado internacional com metas compulsórias de redução das emissões dos chamados gases estufa - o objetivo original do evento. Em seu lugar, os 192 governos participantes assinariam uma declaração de intenções "politicamente vinculante" sobre diretrizes gerais de ação, cujo detalhamento ficaria para uma nova conferência, provavelmente na Cidade do México, no final de 2010.
NA ANTEVÉSPERA, um até então indeciso governo do Brasil comunicou que até 2020 o País reduzirá voluntariamente entre 36,1% e 38,9% as emissões projetadas para o próximo decênio. Como isso se fará exatamente em cada setor envolvido, a que custos e sob quais controles não foi explicado. Mas o anúncio da iniciativa - a mais ousada de uma nação emergente - bastou para que as organizações ambientalistas saudassem o surgimento de "um novo líder global" em matéria de políticas de proteção ao planeta. "O Brasil quebrou um tabu", exultou um ecologista. Com o derretimento das esperanças de que um acordo em Copenhague virasse a página de fracassos do Protocolo de Kyoto, de 1997, que o governo dos EUA se recusou a ratificar e outras potências poluidoras descumpriram, a posição adotada pelo governo brasileiro - depois de muita relutância - poderá promovê-lo a campeão mundial da luta contra a degradação climática.
NOSSAS autoridades se disseram surpresas com o retrocesso do governo de Cingapura. Surpresa, no entanto, seria o oposto do que ali ocorreu. Desde a conferência anterior da Organização das Nações Unidas (ONU), em Bali, há dois anos, em nenhum momento se vislumbrou a possibilidade de um acordo substantivo entre os países desenvolvidos e os demais sobre a parte que tocaria a cada qual na empreitada de impedir a elevação média da temperatura da Terra. O governo da Índia, por exemplo, se recusa até mesmo a fixar um prazo para estabilizar o crescimento de suas emissões. O governo chinês acena com "reduções notáveis", mas não menciona volumes nem datas. Nos EUA, a oposição republicana no Senado Federal faz o que sabe para emperrar a tramitação do projeto do governo Obama que prevê um corte de 17% sobre o nível atual de emissões. Não há hipótese de que o impasse no Capitólio se desfaça até o início da reunião de Copenhague, em 07 de Dezembro próximo.
AS PRINCIPAIS potências econômicas tampouco aceitam a ideia de pagar a conta dos programas de defesa do clima no mundo em desenvolvimento - uma fatura da ordem de US$ 150 bilhões. E a crise econômica acentuou as resistências entre desenvolvidos e emergentes à assinatura de um tratado abrangente e compulsório de combate ao aquecimento global. Há quinze dias, enquanto o vosso presidente da República, Luiz Inácio da Silva (PT-SP), e o seu colega francês Nicolas Sarkozy, reunidos em Paris, anunciavam uma proposta conjunta para que os países industrializados se comprometessem a reduzir as suas emissões em pelo menos 80% até 2050, em Cingapura caía o projeto da ONU de uma meta mundial de 50% no mesmo período. Luiz Inácio da Silva chegou a dizer, do alto da sua soberba, que telefonaria a Barack Obama e Jintao para cobrar deles uma atitude mais construtiva em favor de Copenhague, no lugar de um hipotético acordo climático bilateral.
IRRITADÍSSIMO, falando alto e com o dedo em riste, “O-CARA” investiu, no último dia 16, numa entrevista em Roma, contra a decisão dos governantes dos EUA, China e 21 outros países de barrar a aprovação de um acordo com metas específicas e compulsórias contra o aquecimento global, na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. Dois dias antes, em Paris, ele havia dito que "não temos o direito de permitir" que o governo da China e o governo dos EUA façam um acordo entre si a respeito, "com base apenas nas realidades políticas e econômicas dos seus países”. Em Roma, acrescentou à lista o governo da Índia. Com o ardor de um cristão-novo e uma extravagante exibição de prepotência, tentava enquadrar os recalcitrantes.
ESSE TOM é o de quem, nas suas deambulações pelo mundo, acha que lhe basta a formidável popularidade de que desfruta dentro de seu país para se tornar a palmatória do mundo e transformar a ordem internacional. "Todos terão que apresentar números", decretou, a propósito da questão das metas quantitativas de redução das emissões dos gases responsáveis pela elevação da temperatura no planeta. Até bem pouco, Luiz Inácio da Silva se opunha a isso, no caso brasileiro. Mas isso foi antes de se dar conta de que a sua ministra-candidata, Dilma Pinóquio Rousseff (PT-RS), desenvolvimentista à moda antiga ela também, tem de vestir verde para não fazer feio perto da ex-companheira, Marina Silva (PV-AC), e que o prestígio dele próprio no exterior depende hoje da força com que abraçar a causa do clima. E é a busca de prestígio - e não de objetivos palpáveis, por meios realistas -, que exacerba a oportunista diplomacia presidencial do “CARA” e move a sua política externa. "Por que você pensa que o Brasil tomou a iniciativa de apresentar números?", perguntou retoricamente a um jornalista em Roma. "É para a gente poder cobrar daqueles que passam o tempo inteiro querendo dar lições ao Brasil. O Brasil fez a sua parte e eles têm de fazer a deles. Se o Brasil pode, os EUA podem fazer muito mais". Pega bem em casa, pela clave nacionalista, e pega bem lá fora, onde o combate à degradação climática provocada pelo homem é a maior, quando não a única, bandeira política das novas gerações. Na entrevista, “O-CARA” anunciou pela primeira vez que irá a Copenhague - antes, ele dizia que a sua presença só teria sentido se os principais líderes mundiais também comparecessem. E não resistiu a mais uma bravata: "Eu já fui a Copenhague e ganhei uma coisa que muita gente achava que eu não ia ganhar, que foi a Olimpíada. Não custa nada ir lá e ganhar um numerozinho quando as pessoas não acreditam que vai ter nada mais”.
LÁ EM Roma, onde “O-CARA” participou da Cúpula Mundial sobre Segurança Alimentar, promovida pela ONU, os líderes presentes incluíam figuras do quilate dos ditadores Muammar Kadafi, da Líbia, e Robert Mugabe, do Zimbábue. Sabia-se que a reunião terminaria sem que as nações ricas se comprometessem com a meta de erradicação da fome no mundo em 2025, ou com o aumento da ajuda à agricultura dos países pobres. Mas não custava nada ir lá para ganhar prestígio, fazendo um verdadeiro comício sobre as proezas do seu governo na área social, do programa Bolsa-Família ao programa Luz Para Todos, e desancando os adversários, como se estivesse em um palanque ao lado de Dilma Pinóquio para contrapor "nós" e "eles". Antes de sua ascensão, "a economia estava organizada para atender apenas 60% dos brasileiros", acusou. "Milhões de seres humanos eram vistos como estorvos”. Já o seu governo "quebrou o ciclo perverso que perpetua a miséria e a desesperação".
OUTRA face da apoteose lullista é a política exterior que dela se alimenta. A crer no Itamaraty, o Brasil não terá mãos a medir se fizer o que dele alegadamente a comunidade internacional espera: mediar o conflito israelense-palestino, promover o diálogo entre o Irã e os EUA, ensinar às partes envolvidas como resolver o impasse em Honduras, distender as relações entre a Colômbia e a Venezuela – o coronel-presidente Hugo Chávez, a propósito, já descartou a ideia brasileira de monitorar a fronteira dos dois países. A falta de seriedade disso tudo é proporcional à soberba do “CARA” que a inspira.
O QUE os brasileiros devem cobrar do vosso presidente da República, agora que ele passou a ostentar por toda parte as suas recém-adquiridas credenciais ambientalistas, é que até o fim do seu mandato o governo detalhe as ações que permitam cumprir as metas fixadas nos últimos dias, os respectivos prazos de execução e as fontes de financiamento do programa. Mais ainda, para provar que fala sério, “O-CARA” deveria patrocinar a inclusão dessas metas no projeto da Política Nacional de Mudanças Climáticas (PNMC) em tramitação no Senado Federal. Por fim, o governo precisa responder a uma singela e crucial questão. Se o mais recente inventário oficial das emissões brasileiras de gases estufa data de 1994 - e considerando as enormes mudanças que a economia nacional vem experimentando desde então -, não se imagina qual possa ser a base de cálculo das emissões futuras sobre as quais incidirá a prometida redução de até 38,9%.
NA ANTEVÉSPERA, um até então indeciso governo do Brasil comunicou que até 2020 o País reduzirá voluntariamente entre 36,1% e 38,9% as emissões projetadas para o próximo decênio. Como isso se fará exatamente em cada setor envolvido, a que custos e sob quais controles não foi explicado. Mas o anúncio da iniciativa - a mais ousada de uma nação emergente - bastou para que as organizações ambientalistas saudassem o surgimento de "um novo líder global" em matéria de políticas de proteção ao planeta. "O Brasil quebrou um tabu", exultou um ecologista. Com o derretimento das esperanças de que um acordo em Copenhague virasse a página de fracassos do Protocolo de Kyoto, de 1997, que o governo dos EUA se recusou a ratificar e outras potências poluidoras descumpriram, a posição adotada pelo governo brasileiro - depois de muita relutância - poderá promovê-lo a campeão mundial da luta contra a degradação climática.
NOSSAS autoridades se disseram surpresas com o retrocesso do governo de Cingapura. Surpresa, no entanto, seria o oposto do que ali ocorreu. Desde a conferência anterior da Organização das Nações Unidas (ONU), em Bali, há dois anos, em nenhum momento se vislumbrou a possibilidade de um acordo substantivo entre os países desenvolvidos e os demais sobre a parte que tocaria a cada qual na empreitada de impedir a elevação média da temperatura da Terra. O governo da Índia, por exemplo, se recusa até mesmo a fixar um prazo para estabilizar o crescimento de suas emissões. O governo chinês acena com "reduções notáveis", mas não menciona volumes nem datas. Nos EUA, a oposição republicana no Senado Federal faz o que sabe para emperrar a tramitação do projeto do governo Obama que prevê um corte de 17% sobre o nível atual de emissões. Não há hipótese de que o impasse no Capitólio se desfaça até o início da reunião de Copenhague, em 07 de Dezembro próximo.
AS PRINCIPAIS potências econômicas tampouco aceitam a ideia de pagar a conta dos programas de defesa do clima no mundo em desenvolvimento - uma fatura da ordem de US$ 150 bilhões. E a crise econômica acentuou as resistências entre desenvolvidos e emergentes à assinatura de um tratado abrangente e compulsório de combate ao aquecimento global. Há quinze dias, enquanto o vosso presidente da República, Luiz Inácio da Silva (PT-SP), e o seu colega francês Nicolas Sarkozy, reunidos em Paris, anunciavam uma proposta conjunta para que os países industrializados se comprometessem a reduzir as suas emissões em pelo menos 80% até 2050, em Cingapura caía o projeto da ONU de uma meta mundial de 50% no mesmo período. Luiz Inácio da Silva chegou a dizer, do alto da sua soberba, que telefonaria a Barack Obama e Jintao para cobrar deles uma atitude mais construtiva em favor de Copenhague, no lugar de um hipotético acordo climático bilateral.
IRRITADÍSSIMO, falando alto e com o dedo em riste, “O-CARA” investiu, no último dia 16, numa entrevista em Roma, contra a decisão dos governantes dos EUA, China e 21 outros países de barrar a aprovação de um acordo com metas específicas e compulsórias contra o aquecimento global, na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. Dois dias antes, em Paris, ele havia dito que "não temos o direito de permitir" que o governo da China e o governo dos EUA façam um acordo entre si a respeito, "com base apenas nas realidades políticas e econômicas dos seus países”. Em Roma, acrescentou à lista o governo da Índia. Com o ardor de um cristão-novo e uma extravagante exibição de prepotência, tentava enquadrar os recalcitrantes.
ESSE TOM é o de quem, nas suas deambulações pelo mundo, acha que lhe basta a formidável popularidade de que desfruta dentro de seu país para se tornar a palmatória do mundo e transformar a ordem internacional. "Todos terão que apresentar números", decretou, a propósito da questão das metas quantitativas de redução das emissões dos gases responsáveis pela elevação da temperatura no planeta. Até bem pouco, Luiz Inácio da Silva se opunha a isso, no caso brasileiro. Mas isso foi antes de se dar conta de que a sua ministra-candidata, Dilma Pinóquio Rousseff (PT-RS), desenvolvimentista à moda antiga ela também, tem de vestir verde para não fazer feio perto da ex-companheira, Marina Silva (PV-AC), e que o prestígio dele próprio no exterior depende hoje da força com que abraçar a causa do clima. E é a busca de prestígio - e não de objetivos palpáveis, por meios realistas -, que exacerba a oportunista diplomacia presidencial do “CARA” e move a sua política externa. "Por que você pensa que o Brasil tomou a iniciativa de apresentar números?", perguntou retoricamente a um jornalista em Roma. "É para a gente poder cobrar daqueles que passam o tempo inteiro querendo dar lições ao Brasil. O Brasil fez a sua parte e eles têm de fazer a deles. Se o Brasil pode, os EUA podem fazer muito mais". Pega bem em casa, pela clave nacionalista, e pega bem lá fora, onde o combate à degradação climática provocada pelo homem é a maior, quando não a única, bandeira política das novas gerações. Na entrevista, “O-CARA” anunciou pela primeira vez que irá a Copenhague - antes, ele dizia que a sua presença só teria sentido se os principais líderes mundiais também comparecessem. E não resistiu a mais uma bravata: "Eu já fui a Copenhague e ganhei uma coisa que muita gente achava que eu não ia ganhar, que foi a Olimpíada. Não custa nada ir lá e ganhar um numerozinho quando as pessoas não acreditam que vai ter nada mais”.
LÁ EM Roma, onde “O-CARA” participou da Cúpula Mundial sobre Segurança Alimentar, promovida pela ONU, os líderes presentes incluíam figuras do quilate dos ditadores Muammar Kadafi, da Líbia, e Robert Mugabe, do Zimbábue. Sabia-se que a reunião terminaria sem que as nações ricas se comprometessem com a meta de erradicação da fome no mundo em 2025, ou com o aumento da ajuda à agricultura dos países pobres. Mas não custava nada ir lá para ganhar prestígio, fazendo um verdadeiro comício sobre as proezas do seu governo na área social, do programa Bolsa-Família ao programa Luz Para Todos, e desancando os adversários, como se estivesse em um palanque ao lado de Dilma Pinóquio para contrapor "nós" e "eles". Antes de sua ascensão, "a economia estava organizada para atender apenas 60% dos brasileiros", acusou. "Milhões de seres humanos eram vistos como estorvos”. Já o seu governo "quebrou o ciclo perverso que perpetua a miséria e a desesperação".
OUTRA face da apoteose lullista é a política exterior que dela se alimenta. A crer no Itamaraty, o Brasil não terá mãos a medir se fizer o que dele alegadamente a comunidade internacional espera: mediar o conflito israelense-palestino, promover o diálogo entre o Irã e os EUA, ensinar às partes envolvidas como resolver o impasse em Honduras, distender as relações entre a Colômbia e a Venezuela – o coronel-presidente Hugo Chávez, a propósito, já descartou a ideia brasileira de monitorar a fronteira dos dois países. A falta de seriedade disso tudo é proporcional à soberba do “CARA” que a inspira.
O QUE os brasileiros devem cobrar do vosso presidente da República, agora que ele passou a ostentar por toda parte as suas recém-adquiridas credenciais ambientalistas, é que até o fim do seu mandato o governo detalhe as ações que permitam cumprir as metas fixadas nos últimos dias, os respectivos prazos de execução e as fontes de financiamento do programa. Mais ainda, para provar que fala sério, “O-CARA” deveria patrocinar a inclusão dessas metas no projeto da Política Nacional de Mudanças Climáticas (PNMC) em tramitação no Senado Federal. Por fim, o governo precisa responder a uma singela e crucial questão. Se o mais recente inventário oficial das emissões brasileiras de gases estufa data de 1994 - e considerando as enormes mudanças que a economia nacional vem experimentando desde então -, não se imagina qual possa ser a base de cálculo das emissões futuras sobre as quais incidirá a prometida redução de até 38,9%.
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