Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sábado, outubro 03, 2009

A palavra do líder

EM SUA estréia perante a Assembleia-Geral das Nações Unidas, o presidente da República dos Estados Unidos da América (EUA), Barack Houssein Obama, outra vez se valeu de sua poderosa oratória para tentar persuadir o mundo de que algumas premissas da política externa dos Estados Unidos mudaram radicalmente desde que ele chegou à Casa Branca, oito meses atrás. No lugar da soberba e do unilateralismo do seu antecessor - às vésperas da invasão do Iraque, George W. Bush chegou a dizer que a Organização das Nações Unidas (ONU) caminhava para a irrelevância -, Obama exortou a comunidade internacional a participar de uma "nova era de engajamento" em torno de "quatro pilares": desarmamento nuclear, paz e segurança, meio ambiente e economia global.

NESSA ou em outra ordem, são inegavelmente as questões cruciais do nosso tempo. Mais do que o seu enunciado, porém, o forte da oração de Obama foi a mensagem de que a atitude de seu país, quando não os fins propriamente ditos das suas ações, se transformou. Ao dizer que nunca irá se desculpar por defender os interesses americanos, mas que "nenhuma nação pode ou deve tentar dominar outra nação", ele deixou patente a promessa de conciliar a realização das metas dos EUA com os valores que os distinguiram historicamente, a começar do "respeito decente pela opinião da humanidade" de que falava Thomas Jefferson há mais de 200 anos.

PODEMOS cultivar um ceticismo decente sobre os efeitos da retórica de Obama - na frente interna, por exemplo, ela ainda não foi capaz de assegurar a aprovação do programa-chave de sua administração, a reforma do sistema de saúde, nem tampouco manteve os seus índices de popularidade nos níveis estelares do início do seu mandato. Na arena internacional, o primeiro-ministro israelense, Benyamin Netanyahu, desprezou ostensivamente as demandas enfáticas do dirigente americano pelo congelamento das colônias nos territórios palestinos para destravar as negociações de paz. Isso o obrigou a um recuo na ONU.

MUITO embora reiterasse não aceitar a legitimidade dos "assentamentos prolongados" e confirmasse o seu empenho pela solução de "dois Estados vivendo lado a lado em paz e segurança", acabou ecoando a posição de Israel contra o estabelecimento de "precondições" para o eventual reinício do diálogo com a liderança palestina. Um ganho pelo menos Obama obteve no percurso entre as palavras e os atos no cenário das Nações Unidas. Da tribuna, ele advertiu o governo da Coreia do Norte e o Irã de que "terão de prestar contas" se preferirem armas atômicas à estabilidade regional e forem indiferentes aos perigos de uma escalada nuclear. Mais tarde, saiu de uma reunião com o presidente russo, Dmitri Medvedev, com a promessa de uma concessão.

PELA primeira vez o governo da Rússia admitiu apoiar o governo dos EUA no endurecimento das sanções contra o regime iraniano, caso as conversações sobre o seu programa de enriquecimento de urânio, marcadas para Outubro, levem a nada. "Acreditamos que precisamos ajudar o Irã a tomar a decisão certa", afirmou Medvedev à Imprensa, escolhendo as palavras, ao lado de um sorridente Obama, para acrescentar que "sanções raramente conduzem a resultados produtivos, mas, em alguns casos, são inevitáveis". Sem convencer, o governo norte-americano negou que a aparente mudança da posição russa fosse consequência da decisão anunciada na semana passada por Obama de cancelar a instalação, na Polônia e na República Checa, do escudo antimísseis que Moscou considerava uma afronta na sua "esfera de influência".

FALTA ainda combinar com os chineses, que se opõem a novas sanções contra o Irã pelo Conselho de Segurança da ONU, onde não hesitariam em exercer o seu poder de veto. Mas Pequim se alinhou com Washington em favor de uma resolução do organismo para o fortalecimento do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP) - uma das bandeiras de Obama no plano global, integrada à busca de um acordo bilateral com a Rússia para a redução dos respectivos arsenais. O projeto de resolução levado à ONU pelo presidente insta os países-membros a condicionar as suas exportações de materiais nucleares ao monitoramento do seu uso, mesmo se o comprador deixar o TNP, como fez O governo da Coreia do Norte em 2003.

OBAMA se credenciou a liderar o esforço pela desnuclearização gradativa, ao prometer que os EUA se pautarão pelas regras que vierem a ser firmadas em âmbito multilateral. Nos anos Bush, isso seria impensável.