Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quarta-feira, setembro 23, 2009

Templo é dinheiro?!...

A RATIFICAÇÃO do acordo firmado pelo vosso presidente da República, Luiz Inácio da Silva (PT-SP), e pelo papa Bento XVI já era ruim, uma vez que ignora o princípio do Estado laico consagrado pelas Constituições brasileiras desde a proclamação da República e concede privilégios que colidem com o princípio constitucional da igualdade; agora com a aprovação do Projeto de "Lei Geral das Religiões", pela Câmara dos Deputados, a situação poderá assumir aspectos de alçada da legislação do Código Penal Brasileiro (CPB).

O TAL acordo entre o Brasil e o Estado do Vaticano foi assinado em Roma, no fim de 2008. Ao justificá-lo, a liderança da Igreja Católica salientou, valendo-se da condição de ser formalmente subordinada a um Estado soberano, e alegou que o objetivo do documento era sistematizar o que estava previsto por leis esparsas. Além da isenção fiscal para pessoas jurídicas religiosas, o acordo prevê a manutenção do patrimônio cultural da Igreja Católica com recursos públicos e isenta a instituição de cumprir obrigações impostas pelas leis trabalhistas brasileiras. Tendo sido redigido de modo vago, ele abre caminho para a ampliação dessas concessões para todos os negócios da Igreja, que é dona de editoras, rádios, TVs e escolas.

TENDO “O-CARA” cometido o equívoco de assinar esse acordo, era inevitável que as demais igrejas invocassem isonomia, exigindo os mesmos privilégios. Quando a ratificação do acordo foi encaminhada ao Legislativo, como determina a Constituição Federal, as bancadas evangélicas aproveitaram a oportunidade para estender a toda e qualquer "instituição religiosa" as mesmas vantagens legais, trabalhistas e fiscais concedidas à Igreja Católica. O Projeto de Lei (PL) apresentado com esse objetivo tramitou em tempo recorde. Seus vícios começam com a total liberdade dada às "denominações religiosas" para criar, modificar ou extinguir suas instituições, e avançam com as isenções fiscais para rendas e patrimônio de pessoas jurídicas vinculadas a quaisquer instituições que passem por religiosas.

ESSAS concessões abrem uma imensa porteira para negócios escusos. Basta ver, nesse sentido, a ação que foi aberta no mês de agosto último na 9ª Vara Criminal de São Paulo (SP) contra os principais líderes (a frente o “bispo” Edir Macedo de Bezzerra) da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), sob a acusação de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. Segundo os representantes do Ministério Público (MP), o "bispo" Edir Macedo Bezerra e seus "pastores" e colaboradores viriam há dez anos iludindo fiéis e cometendo os mais variados tipos de fraude. Os promotores da Justiça afirmam que, somando transferências e depósitos bancários feitos por pessoas ligadas à Igreja Universal do Reino de Deus, o grupo teria movimentado R$ 8 bilhões, entre 2001 e 2008, desviando para a aquisição de emissoras de TV e rádio, financeiras, agências de turismo, imobiliárias e jatinhos recursos doados por fiéis para atividades de catequese.

DIAS ANTES de acionar a IURD na Justiça, Os representantes do MP haviam informado que retomarão o processo por crime de sonegação fiscal e lavagem de dinheiro contra os fundadores da Igreja Apostólica Renascer em Cristo, o casal Hernandes. A ação estava suspensa porque o "bispo" Estevam Hernandes e a "bispa" Sônia Hernandes estavam cumprindo pena de 10 meses de detenção nos Estados Unidos da América (EUA), por terem entrado naquele país sem declarar a exata quantia de dinheiro que levavam.

ALÉM dos vícios já apontados, o Projeto de "Lei Geral das Religiões" contém outros absurdos. Um deles é o dispositivo que prevê que propriedades de uso religioso não poderão ser demolidas ou penhoradas, por causa de sua função social. Como os "supermercados da fé" cada vez mais vêm sendo instalados em galpões, garagens, salas de cinema e lojas, chamados de "templos", isso significa que esses imóveis não poderão ser desapropriados para obras de interesse público, o que representa uma interferência nas leis municipais e nos instrumentos de planejamento urbano estabelecidos pelos planos diretores das prefeituras. Razões de sobra tinha o deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ) - que votou contra a ratificação do acordo do Brasil com o Estado do Vaticano e o Projeto da "Lei Geral de Religiões" - para, ao advertir sobre esse risco, afirmar que "templo é dinheiro".

AGORA, vamos esperar que o Senado Federal, que terá de dar seu voto sobre os dois projetos, aproveite essa oportunidade de merecer pelo menos um único aplauso da opinião pública.