Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

segunda-feira, junho 29, 2009

Renuncie já!

AS DEMISSÕES do diretor-geral do Senado, Alexandre Gazineo, e do diretor de Recursos Humanos, Ralph Siqueira, na esteira do escândalo dos atos administrativos secretos na Casa - em 14 anos, foram 663, dos quais pelo menos 250 para nomeações para cargos de confiança -, nem de longe representam o começo da faxina ética que a opinião pública cobra da outrora respeitada Câmara Alta. A primeira evidência disso está no processo de escolha dos nomes que os substituirão por um período mínimo de 90 dias. Ao que se saiba, nada desabona o assessor Haroldo Tajra, que ocupará o posto de Gazineo, nem tampouco a servidora Doris Marize Peixoto, que ficará no lugar de Siqueira. Mas, segundo a unanimidade dos observadores políticos, eles foram pinçados no bojo de um arranjo de conveniências para segurar o senador José Sarney (PMDB-AP) na presidência daquela Casa do Legislativo e ao mesmo tempo permitir que mantenha, embora em parceria, o controle sobre a cúpula do vasto estamento burocrático da instituição.

VEM DE muito longe esse controle. Em 1995, ao assumir o primeiro dos seus três mandatos no comando do Senado Federal, Sarney nomeou Agaciel Maia para a diretoria-geral. Ele era quem determinava quais decisões seriam publicadas e quais mantidas em sigilo, para que nada perturbasse a rotina da concessão de favores, distribuição de vantagens, criação de mordomias e outros negócios espúrios com dinheiro, ainda por vir à tona. Em Março, ao se descobrir que escondia da Secretaria de Receita Federal (SRF) ser dono de uma mansão de R$ 5 milhões - um pecadilho perto do retrospecto -, Sarney o induziu a deixar o posto. Mas continuam unha e carne. Agora, pressionado a remover Gazineo, o sucessor dele, Sarney se entendeu com o primeiro-secretário da Mesa Diretora do Senado Federal, o democrata Heráclito Fortes, para que a seleção dos interinos ajudasse a consolidar o núcleo dirigente do Senado, integrado pela caciquia de peemedebista, democratas (antigos peefelistas) e petebistas. Haroldo Tajra trabalha desde 2001 na 1ª Secretaria, feudo do antigo PFL. Doris, ligada ao clã Sarney, foi chefe de gabinete da então senadora Roseana Sarney (PMDB-MA).

Giuseppe Lampedusa escreveu no romance Il Gattopardo que é preciso mudar alguma coisa para que tudo fique como está. "Tudo", no Senado Federal, é o pacto de poder que elegeu José Sarney. O esquema, avalizado pelo presidente Lula, só promoverá a higienização do Senado Federal na medida em que não ponha em risco a permanência de Sarney na cadeira de mais alto espaldar daquela Casa do Legislativo. E ele - que no mínimo dos mínimos sabia do que se passava, anos a fio, nos seus subterrâneos - decerto ficará tão mais vulnerável quanto mais funda for a devassa nessa caixa-preta. Os atos secretos poderão se revelar a ponta de um iceberg de ilícitos envolvendo milionários contratos de compras e terceirizações na era Agaciel, como já indicam as primeiras sindicâncias. É ilusório imaginar que a instituição será passada a limpo de ponta a ponta e de alto a baixo. Mas ela nem em parte se reconstruirá se a varredura se contiver em limites inaceitáveis pela opinião pública. E isso é o que acontecerá, com toda a probabilidade, na gestão Sarney.

Na Segunda-feira, 22, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) foi o primeiro de três senadores a sugerir que se licenciasse da presidência. No dia seguinte, emendou: "Não é mais caso de licença, mas de renúncia”. É o que se impõe. Não como punição pela parte que certamente lhe toca nos escândalos, como a dezena de seus parentes e afilhados políticos nomeados ou exonerados em segredo - o que alega ignorar -, mas em nome do futuro da instituição. Sarney diz que não foi eleito para "cuidar da despensa ou para limpar as lixeiras da Casa". No entanto, mais do que nunca o Senado precisa de quem faça exatamente isso, começando por demitir o funcionário estável Agaciel Maia, arrostar as consequências na Justiça e se expor às eventuais represálias desse tipo que sabe do Senado Federal tudo que vale a pena saber. Os atos secretos devem ser revogados, quaisquer que sejam as complicações judiciais que a medida acarrete - e a cadeia de responsabilidades estabelecida. O Tribunal de Contas da União (TCU) deve ter todo o apoio para auditar os contratos da Casa do Legislativo.

O QUE está em jogo é enfrentar a "desgraça", para repetir o termo usado pelo “CARA” na sua segunda tentativa em uma semana de pôr panos quentes na crise do Senado Federal e poupar o aliado José Sarney. Vosso presidente da República , Luiz Inácio da Silva (PT-SP), acusou a Imprensa de "predileção pela desgraça". A desgraça são os efeitos - divulgados pela Imprensa - do baixo nível ético de tantos políticos brasileiros.