Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

segunda-feira, junho 27, 2011

Indivíduo nocivo à ordem pública

RIO DAS OSTRAS (RJ) - O CONSELHO Nacional de Imigração subordinado ao Ministério do Trabalho Emprego (CNI/MTE) e integrado por 9 representantes de Ministérios, 5 de sindicatos, 5 de entidades patronais e 1 da comunidade científica - concedeu visto de permanência ao ex-terrorista italiano Cesare Battisti Por 14 votos a 2, 1 abstenção e 3 ausências. Com isso, ele poderá viver e trabalhar por tempo indeterminado no Brasil.

SEGUNDO a ordem jurídica vigente, a decisão do Conselho Nacional de Imigração é ilegal. Ela colide com a Lei 6.815/81, que criou o órgão e define a situação jurídica dos estrangeiros no Brasil. O inciso IV do artigo 7.º dessa lei proíbe taxativamente a concessão de visto "ao estrangeiro que foi condenado ou processado em outro país por crime doloso, passível de extradição segundo a lei brasileira".

JUSTAMENTE esse é o caso de Battisti. Ele foi condenado à prisão perpétua pela Justiça da Itália por quatro assassinatos cometidos na década de 1970, quando integrava a organização terrorista Proletários Armados para o Comunismo. No momento em que Battisti foi processado, julgado e condenado, a Itália vivia em plena normalidade política e constitucional, ou seja, sob democracia plena.

O EX-TERRORISTA Battisti também já foi condenado no Brasil pela primeira instância da Justiça Federal à pena de dois anos em regime aberto, convertida em pagamento de multa e prestação de serviços à comunidade, por usar passaportes franceses falsificados, encontrados quando foi preso por agentes do Departamento Polícia Federal (DPF), em 2007, a pedido do governo italiano. Ele recorreu, mas a decisão foi mantida há cinco meses pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 2.ª Região. No inciso II do artigo 7.º, a Lei 6.815 também proíbe a concessão de visto "ao estrangeiro considerado nocivo à ordem pública".

POR mais que se apresente como perseguido político, Battisti, do estrito ponto de vista técnico-jurídico, não preenche os critérios previstos pela legislação para a obtenção de visto de residência. Por isso, a Procuradoria-Geral da República (PGR) - o órgão encarregado pela Constituição Federal do Brasil (CFB) de "defender a ordem jurídica" - não tem outra saída a não ser contestar judicialmente a decisão do CNI e exigir o cumprimento do direito positivo.

E FOI com base nessa legislação que, em 2009, a PGR emitiu um parecer contrário à concessão de asilo a Battisti - posição que foi endossada pelo Comitê Nacional para os Refugiados (CNR), uma comissão interministerial encarregada de receber os pedidos de refúgio e determinar se os solicitantes reúnem as condições jurídicas necessárias para serem reconhecidos como refugiados. Surpreendentemente, o então ministro de Estado da Justiça, Tarso Genro (PT-RS), desprezou as duas decisões e concedeu o status de refugiado político a Battisti.

CLASSIFICANDO a iniciativa de Genro como "grave e ofensiva", o Ministério de Assuntos Estrangeiros da Itália recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF), acusando o governo brasileiro de não cumprir o tratado de extradição firmado pelos dois países em 1989. Mas, em vez de dar uma solução clara e objetiva ao caso, em 2010 aquela Corte, numa decisão ambígua, autorizou a extradição, mas deixando a última palavra ao presidente da República. Pressionado pelo ministro da Justiça, por um lado, e pelo governo da Itália, por outro lado, Luiz Inácio da Silva (PT-SP) deixou claro que concederia asilo a Battisti - o que só fez no último dia de seu mandato (2003-10) - e pediu à Advocacia-Geral da União (AGU) um parecer que fundamentasse sua decisão. Cumprindo a determinação, o órgão desprezou a legislação e preparou um parecer político, dando as justificativas "técnicas" de que o presidente precisava para decidir pela permanência de Battisti no País, com o status de imigrante.

O GOVERNO italiano voltou a recorrer e o STF, para perplexidade dos meios jurídicos, também agiu politicamente, ignorando tanto o tratado de extradição firmado entre o Brasil e a Itália quanto a própria legislação brasileira sobre estrangeiros. Essa desmoralização das instituições jurídicas foi aprofundada ainda mais com a concessão do visto de permanência a Battisti, pelo CNI/MTE.